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Turismo pedagógico: o mundo é uma escola

28 de dezembro, 2017 - por Max Franco

Esta é uma área da qual sinto certo conforto de falar. Sou técnico em turismo, trabalhei como guia local durante alguns anos em Fortaleza e levei diversos grupos para inúmeros países em viagens culturais e pedagógicas. Atuei, também, durante muitos anos como coordenador de viagens pedagógicas, em Fortaleza, e em um grande grupo de escolas, no estado de São Paulo.

Depois de alguns anos, decidi me aprofundar mais ainda no tema e entrei num mestrado de Gestão de negócios turísticos promovido pela Universidade Estadual do Ceará. A minha dissertação – obviamente – versa sobre “Turismo e storytelling”.

Recentemente, desenhei um curso de pós-graduação em metodologias ativas, no IBFE, onde, de forma inédita, há uma disciplina de estudos do meio. Disciplina a qual faço questão de ministrar.

Estas décadas de trabalho com essa atividade fascinante me trouxeram algumas conclusões. Não é uma área simples de atuar. Não há vasta literatura sobre o emprego de estudos do meio na escola nem o tema é muito contemplado nos cursos que preparam para o magistério.

Falar de storytelling e viagem pedagógica é uma empreitada que daria panos para as mangas. Merece um livro só sobre esse assunto. Coisa que, um dia, ainda devo fazer.

São dessas peculiariades que gostaria de tratar neste famoso livro que ainda virá. Quero contar as histórias que provocam viagens e das viagens que geram histórias. O turismo é o storytelling que se autoalimenta. São viagens que causam viagens, porque o filho de uma boa história de viagem será sempre outra viagem. E daí por diante.

Mas, como adequar a prática turística à escola?

Ou melhor: como unir a escola ao turismo?

Parece difícil. Mas é mais do que parece.

Antes de tudo, quando falo de escola, estou falando de qualquer instituição de ensino. O turismo pedagógico pode ser muito bem empregado no ensino superior. São inúmeras as faculdades que promovem missões para diversas partes do mundo. A Inova Business School, por exemplo, tem um excelente programa batizado de Inova experience, que leva seus alunos para uma semana de imersão na Itália, conhecendo a Ferrari e se aprofundando na história, arte, cultura e gastronomia deste país extraordinário. Eu tenho o privilégio de conduzir este grupo.

Mas, qual é a grande dificuldade de se levar alunos para viajar?

O fato é que todo deslocamento sempre atrai riscos, principalmente, quando tratamos de crianças e adolescentes. Neste caso, a escola tem que assumir toda a guarda dos alunos menores e se responsabilizar por tudo que lhes possa acontecer. É muita responsabilidade e coragem maior ainda.

No entanto, há diversas escolas que têm projetos extraordinários no campo do turismo pedagógico e que são referência para todo o país. O que é necessário para que a sua também seja? Aqui deixo algumas dicas que podem lhe ser úteis caso você deseje – literalmente – topar e chamado e sair da zona de conforto da velha rotina estática e comodista da escola. Veja só:

– Se nem a OMT (Organização Mundial de Turismo) consegue definir o que é turismo com total propriedade, imagina a dificuldade para encontrar nomenclatura adequada para todas as atividades de uma escola que ocorram fora dos seus limites geográficos. Não      obstante, é necessário. Como já citei por aqui, as palavras têm força. Não adianta a escola se preparar, perder horas em planejamento e analisando as propostas das agências para depois ter que ouvir uma mãe perguntando “Quando é o passeio?”. Escola não faz passeio. Escola organiza e realiza estudos do meio, quando é uma viagem com a duração de um dia (City tour, visita a museu, laboratório, indústria, observatório, zoo…) ou viagens pedagógicas, quando há pernoite. Lembrando que estas iniciativas fazem parte de um projeto sistematizado e estratégico da escola de turismo educacional.

  1. Tudo parte de um bom planejamento – É o conteúdo de cada ano que define o roteiro e o destino. Os educadores devem se reunir, preferivelmente, antes do fim do ano letivo e analisar o programa de cada grupo. O 6º ano, por exemplo, com poucas alterações, tem o costume de estudar rochas e fósseis. A primeira pergunta que a equipe de professores deve fazer é “onde temos na região um lugar no qual podemos explorar este conteúdo programático?”.
  2. O roteiro da viagem – Definido o destino, o grupo de educadores deve elaborar um roteiro que traga o máximo possível de experiências e informações relevantes para aquela faixa etária. É preciso ter cuidado para equilibrar bem as atividades. Não podemos preencher em demasia o dia dos alunos, tampouco é aconselhável se deixar muito tempo ocioso. A ociosidade raramente sugere coisa boa aos ouvidos, principalemnete de crianças e adolescentes.
  3. O orçamento da viagem – Conselho de amigo: não caia na tentação de “fazer com as próprias mãos”! Eu já perdi a conta das vezes nas quais vi escolas entrarem em roubadas porque escolheram economizar alguns tostões e realizar a sua viagem pedagógica sem o auxílio de uma agência especializada. O ideal é que, após ter definido o destino e o roteiro, a escola envie para as empresas de turismo nas quais confia. Depois, é só realizar uma concorrência simples. Sugiro sempre se lembrar de que nem sempre o barato sai mais barato. Tentar economizar, por exemplo, com a qualidade de transporte, comida e alojamento é sempre andar numa corda bamba de olhos vendados e sem rede de proteção.
  4. A viagem – A experiência me ensinou que há professores maravilhosos em sala que não funcionam bem em ambiente externo, mas que há, também, o contrário. É uma questão de habitat ou de posição no campo. Laterais costumam jogar bem pelos lados do campo. Talvez não devamos colocá-los no ataque ou no gol. Nem todo mundo tem essa polivalência. Nem todo professor tem condições físicas e psicológicas para lidar com as exigências de uma viagem pedagógica. A escola deve escolher os seus líderes de expedições com crivo e prepará-los cuidadosamente para que possam viajar.
  5. Professor não é guia nem babá – O professor não está ali apenas para cuidar dos alunos, mas também está.  Não dá para bancar a autoridade e dizer “Vim para essa viagem como geógrafo!”. Isso não funciona assim. O geógrafo, de fato, foi para a viagem, mas não o strictu senso, pois na hora em que um aluno estiver doente ou quando diversos decidirem fazer bagunça
  6. nos quartos (às duas da manhã), a geografia não será muito requisitada. Se ajoelhou, meu caro, já sabe… Outra questão relevante é quanto ao papel deste professor nas visitas. É função do guia apresentar as informações do lugar ou monumento. A do professor é a de fazer os links com a sala de aula, puxar uma reflexão, organizar a participação dos alunos, estimular a criatividade, fazer alusões ao conteúdo, e, principalmente, com o storytelling, reforçar o elemento emocional traçando uma linha relacional entre o visitante e o visitado. Já vi muitas vezes o professor querer substituir o guia de turismo. Além de não ser muito elegante, não é adequado. O professor não pode se esquecer de que ele é mentor e não o google. Os alunos têm o google na mão. Eles não precisam de outro. Eles necessitam de alguém que demonstre o sentido de se estar ali vendo o que estão vendo e não outra coisa. O que importa é a experiência com o lugar e não toda a informação que ele conseguirá tirar dali. Eu já contemplei muita gente que se diz educador que, numa viagem pedagógica ou estudo do meio, as quais são práticas essencialmente modernas de Educação, agindo da mesma forma que sempre fez em sala de aula. É a mesma atitude tradicional e expositiva, só que, em vez do powerpoint ou do livro didático, ele tem o lugar turístico, ou a obra de arte, ou o monumento. É um grande desperdício de oportunidade. É o “quase lá”, porque poderia ter feito da forma ideal e não fez. Poderia ter ousado sair da rotina engessada e não saiu. É o ranço conservador e centralizador da escola que segue os alunos aonde quer que vão.
  7. O turismo pedagógico fideliza e atrai alunos – As escolas que conseguem transformar as suas viagens em um projeto sério e estratégico também alcançam êxito em atrair novos alunos e fidelizar os seus. Afinal, quem não quer fazer aquela viagem de estudos para Curitiba ou para Fernando de Noronha? Quem não quer aprender sobre arte no MASP ou no próprio Louvre? Quem não quer conhecer o ecossistema da Ilha do Cardoso ou do Pantanal? Qual aluno não iria querer entrar numa escola que faz tais programas? Qual aluno iria sair antes daquela grande viagem? Mas aí você deve estar se perguntando “Não é muito caro?”. Infelizmente, dependendo da distância do destino, da duração da expedição, dos serviços, ingressos e opcionais inseridos, sim, pode ficar muito caro. Cabe aos gestores da escola planejar levando em conta estes variáveis e propor ideias realizáveis. Os pés precisam estar no chão, nessa hora. Mas, é sempre bom que as cabeças possam subir um pouco para as nuvens. Já vi escolas realizando projetos e alcançando destinos que, a princípio, pareciam intangíveis. Ousar é necessário, mas sem perder o tino.
  8. Viagens e festas de formatura – aproveito o ensejo para dar uma opinião das mais pessoais. Sei que – neste caso específico – corro bastante o risco de parecer purista ou antipático, mas não posso fugir de emitir o meu parecer sobre estes dois eventos que vejo, a cada dia que passa, se tornarem tão populares entre determinados públicos escolares. Já vi algumas incoerências realizadas por algumas escolas que não dá para entender. A escola não propõe viagens pedagógicas, mas sugere uma viagem de formatura sem qualquer formação, como assim? Ela não corre muito mais riscos numa viagem de formatura do que numa viagem educativa? Quanto custa essa viagem de formatura? Para que ela serve? Quais são os objetivos desta viagem e desta escola? O mesmo eu perguntaria sobre as festas de formatura. Muito dinheiro que poderia ter sido empregado no crescimento dos alunos e não em um evento de natureza e gosto discutível (para não dizer brega!). Nem todos sabem, mas o turismo nasceu pedagógico. No século XVIII, os filhos abastados das famílias aristocráticas inglesas, quando concluíam os seus estudos, partiam por meses com os seus preceptores para um Gran Tour, principalmente pela França e Itália, com o intuito de aprofundar os seus conhecimentos e abrir os seus horizontes. Não entendo como as escolas do século XXI conseguem ser mais retrógradas do que as do XVIII. Não tenho absolutamente nada contra festas, mas é um contrassenso. Educação de vem do latim duc, que significa levar ou conduzir. Mas, pelo que entendi, a ideia original não era levar para festas.