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À milanesa

14 de novembro, 2019 - por Max Franco

Se fala-se “Em Roma como os romanos”, em Milão, falaria-se à milanesa.

Pois chego à Milão, à milanesa. À maneira dos milaneses.

E qual maneira é essa? Da mesma forma que talvez exista um filtro para paulistas e cearenses, franceses e alemães, aldeotizados e parangabenses, é possível que também exista um modo milanês de se ver a Vida e o mundo?

Estamos aqui para descobrir.

Estamos?

Sim.

125 estamos.

Nessa “viagem de incentivo”, um modelo bastante moderno e eficaz de alcançar e seduzir clientes, somos 125 brasileiros de diversas partes do Brasil que desembarcamos em Milão para descobrir o que essa bela e sofisticada cidade-dormitório norte da Itália tem a nos oferecer.

Mais uma vez no papel de Tour leader, em particular, essa a minha função: devo mostrar às pessoas muitas vezes até o que elas nem querem ou estão dispostas a ver. Minha arma: a palavra.

Afinal, sem a palavra, talvez muita gente veja, mas não enxergue. Escute, mas não ouça. Coma e beba, mas não deguste. E qual seria a graça de uma viagem sem se enxergar, escutar e degustar?

Sem a palavra, talvez muitos desses 125 não descubram que essa cidade da Lombardia é uma das principais potências econômicas da Itália, ao lado de Turim. Não saberiam da indústria da moda que movimenta milhões de euros. Como também não saberiam do gótico tardio e francês do magnífico Duomo de Milão. Nem do embates que ocorreram no Pallazzo Sforzesco, fortaleza da poderosa família Sforza, tão influente durante o período do renascimento.

Sem a palavra, não saberiam talvez nem sequer o que é renascimento e que Leonardo da Vinci viveu e trabalhou durante e anos em Milão. E é verdade que o jovem Leonardo saiu da Florença acusado de sodomia e chegou à corte de Ludovico Sforza, il “Moro”, inicialmente como músico, mas depois se destacou também como mil outras funções. Foi em Milão que o gênio desenvolveu muitos dos seus extraordinários potenciais. Leonardo fez projetos bélicos para Ludovico, mas também mecânicos e hidráulicos. Leonardo pintou em Milão, mas, por incrível que pareça, foi como produtor de festas e eventos, que ficaram famosos em toda Europa, que ele mais trabalhou nessa corte.

Foi em Milão que Dá Vinci pintou a sua icônica “Santa Ceia”.

Foi em Milão que ele começou a construir um monumento equestre que atordoaria a todos daquela época. Mas, infelizmente, a guerra contra a França pediu o bronze que Leonardo precisava para erigir o grande cavalo.

Você não sabia? Veja o poder das palavras, não é?

São as palavras, as narrativas, as ideias, que dão sentido às coisas.

Se as palavras, por exemplo, você não saberia de Caterina Sforza, a tigresa de Forli. Não saberia do seu longo e intenso embate contra o papa da época, o famigerado Rodrigo Bórgia, ou Papa Alexandre VI. Não saberia também de um fato que acabou se tornando lenda:

Dizem alguns historiadores que quando um dos filhos de Caterina estava sendo torturado (e morto?) pelo exército de César Bórgia, filho do papa (sim, vossa santidade tinha vários filhos, inclusive a célebre Lucrécia Bórgia!). Todos os soldados ficaram perplexos quando presenciaram um ato inacreditável. A duquesa, enquanto erguia as saias e mostrava a genitália, teria gritado às tropas de cima dos muros do seu castelo: “de onde saiu esse, podem sair outros. Eu tenho vantagens sobre vocês!”

Caterina, logo depois, foi presa, torturada e violentada pelo filho do papa e acabou tendo que submissa beijar o seu santíssimo anele pedir perdão ao pontífice. Mas ficou famosa pela sua resistência e fibra.

Você se surpreendeu com essa narrativa? Espero que sim. Veja o que fazem as palavras!

Pois essa é e, na verdade, sempre foi a minha grande função de existir. Enquanto tanta gente faz uso de tanta coisa, eu uso palavras. Sou um mero e breve artífice delas. Um subalterno dos seus poderes. Um admirador das suas capacidades. E é como um servo das palavras e da beleza que entro hoje, mais uma vez nessa cidade. Pedindo aos deuses que me concedam esse dom que não é fruto de talento, mas de muito trabalho e de anos a fio de dedicação. Peço aos deuses que me permitam a chance de realizar o milagre de fazer ver ao cego e de fazer escutar ao surdo. Pretensão? Imensa! Mas, como serviria à história se não pela audácia e é pelo atrevimento . A história, afinal, ignora os omissos, passivos e tímidos. A história é feita pelos atrevidos.

Pois, venha você também, e me deixe lhe dizer umas palavras…