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A Jornada do viajante

04 de fevereiro, 2019 - por Max Franco

Outra reflexão à qual propõe minha pesquisa é trazer alguma luz para o emprego das histórias na prática do turismo e, a partir da estrutura da Jornada do herói de Campbell, sugerir um viés semelhante ao realizado para o desenvolvimento do argumento do livro “A Jornada do aprendiz: storytelling e metodologias ativas na Educação[1]. A proposição é de um novo prisma derivado da Jornada do herói. Uma saga semelhante, motivada pelos mesmos estímulos arquetípicos e ancestrais, aparelhada por estágios paralelos aos descritos por Vogler e Campbell. A pretensão deste trabalho, outrossim, é a de unir o princípio decodificado por Campbell e Vogler, o Monomito, ao exercício do turismo, propondo, assim, se enxergar o fenômeno turístico como uma “Jornada do viajante”. Nesse caso, podemos observar a Jornada do Viajante ou a Saga do Turista pelo viés enunciado a seguir no Infográfico 1:

 

 

Cada um dos estágios, a partir dessa nova ótica, pode ser observado com novos significados, mas, sempre, ancorados às concepções originais de Campbell e Vogler:

 

  1. O mundo normal – É o local ao qual pertence o sujeito, que ainda não se tornou turista. É um pré-turista, porque ainda não aceitou o chamado para a aventura de descobertas que significa a viagem;
  2. O chamado – A apresentação do convite. Um convite que pode partir de pessoas da sua relação ou de si mesmo, mas sempre motivado por algum reclame que tenha recebido. Geralmente são histórias que funcionam como convite. O ser humano é bombardeado continuamente por imagens de locais vistosos, peças de marketing, paisagens paradisíacas, propostas de experiências emocionais, posts de pessoas conhecidas e desconhecidas, cada uma delas vivendo momentos glamourosos e invejáveis, livros, séries e filmes… Todo um grande e variado arsenal de elementos de atração. O resultado natural desse conjunto de convites é a construção de uma “necessidade” da viagem nas pessoas. Uma necessidade que, dentro da analogia criada, funciona como um gatilho. E o problema da viagem começa a se desenhar. Na verdade, mais que problema, problemas.
  3. A hesitação ou recusa do chamado – No caso do viajante, essa hesitação é natural, como também a recusa. Para onde ir? Quando? Com quem? Como ir? Dinheiro para ir? Transporte? Alojamento? Alimentação? Idioma? Estruturas locais? Segurança? Saúde? Telefonia? Programas? Ingressos? Diferenças culturais e religiosas? Não falta desafio em viagens de turismo. E eles aumentam de acordo com a escolha do destino e do tempo disponível para a viagem. Os países mais exóticos sempre exigem maiores preocupações sobre as infraestruturas, idioma e cultura. Por fim, depois de todas essas cogitações, a dúvida sobre aceitar ou não o chamado para a viagem pode pairar sobre os pensamentos do nosso pré-turista. Sempre haverá renúncias, já que toda escolha encerra muitas recusas. E ainda pode haver uma recusa absoluta da jornada ou adiamento;
  4. O papel do mentor – Antes precisamos entender quem cumpre o papel desse personagem fundamental. No âmbito do turismo, muitos o fazem. Todos aqueles envolvidos no processo de motivação e facilitação da viagem podem ser encarados como mentores. O primo que acaba de ir para a Grécia e estimula a sua ida. O blogueiro que fez textos ou videos sobre o lugar almejado. O agente de turismo que vende o pacote. O guia de turismo que faz o traslado para o hotel e lhe dá informações sobre o local. O recepcionista que também lhe dá orientações… Muitos estão envolvidos no projeto de execução da jornada desse viajante que, nesta fase, falta pouco para entrar de vez na aventura;
  5. A travessia do primeiro portal – O mundo do turismo é repleto de portais. Alguns são clássicos, como os portos, aeroportos ou rodoviárias. A função do portal é essa, a de servir como uma passagem, um trãnsito, entre o Mundo Comum e o Mundo Especial, aquele onde ocorrem a aventura e os descobrimentos;
  6. Provações, Aliados e Inimigos – O turista, como o herói, não está sozinho nesse Mundo Especial. Ele terá acompanhantes que servem como aliados, outros que nem tanto, e ainda há outros que funcionam como adversários. Sempre haverá testes para o nosso turista. Ele, muita vez, desconhece os costumes, as práticas, as localizações e precisará de ajuda para saber lidar com essas novidades;
  7. A aproximação – O herói tem sucessos. O turista, decerto, também. Ele observa que consegue tratar de modo positivo com os improvisos. Consegue se alimentar, se comunicar, se localizar, se orientar e se divertir nas novas terras. A cada dia que passa ele se sente mais confiante em relação às inseguranças anteriores. Ele já não é um marujo de primeira viagem. Ele acumula experiências e isso o fortifica;
  8. A grande provação – É comum em diversas viagens que haja um ou outro grande obstáculo a ser superado. É a questão da língua? Das diferenças religiosas? Da alimentação? Algo sempre aflige o viajante. No entanto, essas inseguranças podem se tornar ainda maiores, como com questões relacionadas à segurança pública ou intempéries da natureza, como furacões, terremotos, tsunamis, frio ou calor severo, secas ou inundações. Quem viaja sabe que viajar exige sempre saber lidar com os improvisos e com as surpresas, boas ou más;
  9. A recompensa – O herói-turista enfrentou seus medos. Nesta fase, ele ganha um presente qualquer. Pode ser uma paisagem de tirar o fôlego, ou uma emoção jamais sentida antes, uma experiência inusitada que agradou sobremaneira, uma sensação intensa de felicidade e realização… São inúmeras as recompensas que o turismo pode proporcionar, e é em busca delas que, anualmente, milhões de pessoas em todo o mundo se deslocam, às vezes, por milhares de quilômetros. É o sabor da recompensa que justifica a atividade turística. Resta aos destinos saberem potencializar justamente essa emoção e a divulgarem massivamente;
  10. O caminho do retorno – O nosso viajante começa a descrever um movimento de retorno;
  11. A ressurreição – O turista, como o herói, não é mais o mesmo. Depois da experiência vivida, algo depurou na sua personalidade. Algo foi agregado e, certamente, alguma coisa também foi subtraída. Ele talvez tenha perdido alguns medos e preconceitos sobre o local visitado ou sobre os nativos desse lugar. Viajar traz sempre aprendizados e crescimentos culturais;
  12. O regresso com o elixir – O viajante volta para casa, mas comumente volta com algumas coisas na bagagem. Ele traz presentes para os entes queridos, traz souvenirs para sua casa, traz fotos e vídeos para aguçar as suas memórias. Mas, geralmente, também traz histórias e ensinamentos. O nosso herói-turista, nessa fase, se eleva a outro patamar: ele se torna mentor de todos aqueles que vão desejar seguir os mesmos passos. Inspirados pelas histórias de façanhas e aventuras do turista bem-sucedido, novos heróis surgirão. O ciclo se fecha, mas outros dão início. Outros viajantes seguirão caminho e outros destinos vão lhe sussurrar nos ouvidos seus convites. Há também de se considerar a possibilidade de o viajante não voltar com boa impressão do destino visitado. Mesmo assim, há aprendizado e crescimento pessoal, porém as histórias vão ter outra natureza. Em vez de indicação do lugar, há contraindicação. Ou, no mínimo, recomendações do que se fazer ou não se fazer no destino. O mentor é aquele que indica os melhores caminhos e treina o herói para o desafio.

 

A compreensão da “Jornada do Viajante” deve ajudar ao profissional do turismo a desenvolver um processo empático em relação ao turista e lhe oferecer um serviço de maior qualidade. O ideal é que tanto o próprio visitante quanto o profissional que se relaciona com esse turista possam entender as motivações que existem nas entrelinhas de qualquer viagem turística. Que toda viagem para fora e de conhecimento é também uma viagem interna de autoconhecimento. Desse modo, ambos podem e devem buscar as condições necessárias para a efetivação dessa jornada de um modo que a experiência se torne um episódio relevante para o viajante.

[1] Livro lançado pela Unità Editora (2018) de autoria do autor desta dissertação, Max Franco. A Jornada do aprendiz é o processo evolutivo pelo qual deve passar o estudante durante o seu trajeto de amadurecimento pessoal, de elaboração de renúncias, de foco nos estudos e autoconhecimento dos seus méritos e deméritos. Todo aprendiz necessita de desafios, aliados e mentores para enfrentar seus dragões. Precisa vencer a preguiça, aceitar a luta e enfrentar seus medos. Decerto terá recompensas e retornará ao seu mundo com um elixir para ser dividido com os demais do seu meio. Ser estudante é uma contínua jornada de superação. (Nota do autor).

FRAGMENTO DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PARA O CURSO DE GESTÃO DE NEGÓCIOS TURÍSTICOS (APRESENTADA NO DIA 01.02.19).