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Round 6 ou “O reino da traição”

05 de outubro, 2021 - por Max Franco

Hemingway dizia que a melhor maneira de se descobrir se pode confiar em alguém é confiando.

O velho Ernest não assistiu ao novo fenômeno coreano, Round 6 (Squid game), a série que está perto de roubar de “A Casa de Papel” o posto de série internacional mais assistida da Netflix e, talvez, da série mais assistida da história da televisão. Mas, se tivesse acompanhado os nove episódios, talvez mudasse a sua opinião sobre a necessidade de se confiar em alguém.

A frase, por sua vez, que caia melhor quando se fala em Round 6 é dita pelo seu protagonista:

– A gente não confia nas pessoas porque elas merecem. A gente confia porque não há opção.

No caso do enredo de Round 6 (e talvez na própria vida!), a confiança é artigo dos mais raros.

A série coreana estreou em 17 de setembro e, em poucos dias, passou a liderar a audiência da Netflix na grande maioria dos países nos quais o canal mantém seus serviços de streaming e até no Brasil. O título “Ojingeo Geim” (Jogos de lula), em coreano, ou “Squid Game” em inglês, no Brasil, foi transformado em “Round 6”, talvez para não ganhar qualquer relação com o famoso político (?).

O enredo da série traz mais uma competição de vida ou morte bem à moda de “Jogos vorazes”, “O poço” e”Jogos Mortais”. A disputa pela sobrevivência dessa vez é feita por pessoas que estão com dívidas incomensuráveis, o que, nesse caso, transforma o certame em uma tentativa contínua de escapar da morte, mas também em uma corrida pelo ouro ou pela fortuna, um prêmio de 45,6 bilhões de Wons ou 40 milhões de dólares.

Eis um dos pensamentos que passa pela cabeça ao se assistir Squid game: o que somos capazes de fazer por dinheiro?

É o que vemos acontecer com Gi Hoon, o personagem principal. O sujeito está devendo a um gangster que não perde oportunidade de agredi-lo e ameaçá-lo de morte; a mãe está diabética e necessita de urgentemente de uma cirurgia; a filha pequena está indo morar nos Estados Unidos, talvez para sempre. Gi Hoon é um pacote looser quase completo. Até que lhe aparece uma inusitada chance de virar o jogo participando de uma competição esquisita com prêmio extraordinário. É só depois que entrou no jogo que descobre que ele pode perder a própria vida na brincadeira. Quem assistiu à emblemática sequência da “batatinha 1, 2, 3” sabe que a essa descoberta desestimularia qualquer um. Mas, temos aqui mais um roteiro bastante Campbelliano e, por isso, a Jornada do Herói é mais uma vez explorada até os ossos, literalmente.

Os personagens, então, seguem a sequência típica do Monomito. Eles saem do mundo comum dos seus cotidianos ordinários, são chamados à aventura de vida ou morte, hesitam e recusam, mas, depois, boa parte, mesmo sabendo dos riscos envolvidos, retorna para o desafio sangrento, inclusive o nosso anti-herói.

A  estética de Round 6 chama bastante atenção e, também por isso, chama a atenção da galera teen.  Entretanto, para nós ocidentais, as atuações coreanas (asiáticas?) soam sempre meio histriônicas e, talvez, meio burlescas, mas, mesmo assim, a história decorre de modo intrigante e instigante para aqueles que conferem Round 6. Não passa despercebido, porém, a profunda crítica ao capitalismo, o qual , como diz Caetano, “ergue e destrói coisas belas”, um sistema que é capaz de gerar tantas riquezas e, ao mesmo tempo, tanta miséria humana, tantos vícios e atos revoltantes.

A proposta de Round 6 é macabra pela pouco valor conferido à vida humana, um aspecto do roteiro que faz uma crítica social que não poderia ser mais atual, mas, nem por isso, incomoda menos. A verdade é que a série perturba mais pelo que esta se assemelha ao “mundo real” no qual estamos inseridos, do que pela ficção que um programa de tv costuma entregar.

Em suma, Round 6 é bom porque é ruim.