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Vaidade das vaidades

06 de junho, 2016 - por Max Franco

Vanitas vanitatum, et omnia vanitas
( vaidade das vaidades, tudo vaidade)
“Não ter vaidades é a maior de todas.”
Millôr Fernandes

 

– Meu deus, são justamente nessas oportunidades que me flagro um poço encharcado de vaidade.

Vaidade, o que não nos permitimos fazer seduzidos pelos seus convites? Vaidade, afinal, nada é senão o pecado dos fracos de espírito, dos fúteis, dos pueris e da humanidade inteira. Quem, afinal, nunca se deixou guiar pelos sussurros coercivos da soberba? Quem poderia se candidatar a cargo de tal monta? E quem não acabou escorregando nas terras do orgulho justo por desprezar as demandas da vaidade?

Dizem que São Francisco era um homem vaidoso. Antes pela sua riqueza, pelo seu garbo, pelo seu porte, pelo seu nome. E depois pela sua conversão, pela sua aclamada pobreza, pela sua resoluta humildade e pela sua semelhança com o Nazareno. Ele teria orgulho da sua humildade.
Não falta por aí, gente vaidosa por causa das suas virtudes. Engraçado quando a gente se dá conta de que pecamos até quando acertamos. Melhor seria se não nos congratulássemos satisfeitos pelas nossas benevolências, se não nos sentíssemos promovidos com os nossos atos bons, mas ainda os cometeríamos?
A questão é que de todos os 7 pecados, o mais superficial é o da vaidade. É que gula, inveja, ira, avareza, concupiscência não têm prazo de validade, já vaidade… Vaidade tem período de nascimento, de culminância e de encolhimento. Depois de certo tempo, se ainda ocorrer, já não é mais pecado, é problema de vista ou Alzeihmer. Velho vaidoso é anacronismo. Velho, poderia ser, no máximo orgulhoso, mas vaidoso, nem tanto. Além do mais, vaidade é o único dos pecados que se confunde com virtude. Ninguém pode se dizer elogiado ao ser denominado de guloso, de libidinoso, de sovina, de raivoso, de invejoso… mas ser chamado de vaidoso é valoroso. E cada vez mais é.
Para o grande público, ser vaidoso é sinal de autoestima. E, sabe-se, autoestima de menos é prática de ressentido, de enjeitado. Enquanto autoestima de mais é já coisa de vitorioso, de gente de sucesso.
O mundo atual resgatou a vaidade dos sete pecados. A vaidade, portanto, foi alforriada e anda desembestada, livre, leve e solta por aí dando o sinal da sua graça. E que graça mais graciosa! O mundo é um templo onde o deuses são os belos.
Na antiga Grécia, acreditava-se que os deuses eram semelhantes aos mortais. Só que mais belos. Incomparavelmente belos. Desde então, a humanidade busca os deuses. Imita os deuses. O homem almeja se assemelhar aos deuses. Se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, não sei. Mas o homem criou deuses belos e o homem bem que apreciaria se assemelhar aos seus deuses. A humanidade persegue a beleza. Faz qualquer coisa por ela. Jejuns, promessas, pereginações, sacrifícios e automutilações. O homem é intrinsecamente devotado à deusa estética.
A estética venceu. Talvez a beleza não tenha vencido, mas o belo – inexoravelmente – venceu.
Tem aquela história da freirinha já engelhada pelo tempo que muito avexada chegou para seu confessor – de longas datas – e declarou:
– Frei Romualdo, eu pequei. Na verdade, eu tenho pecado. Tenho que admitir: eu peco como respiro.
– E que pecado é esse, Irmã Natividade? – inquiriu o frei intrigado com a pretensa mácula que afligia o coração da religiosa sempre tão disciplinada.
– Frei, é que… Ai. Não sei como dizer isso. É tão vergonhoso!
– Deus já conhece, Irmã. Deus tudo sabe. De quem mais você pode se envergonhar? Nós todos somos pecadores. Igualmente pecadores.
– Padre, eu peco por vaidade. – soltou enfim. – Eu peco porque me olho no espelho e me acho bela. Me acho, sei lá, bonita, atraente, charmosa…
– É isso que lhe incomoda a alma, irmã?! Pois lhe asseguro, não para tranquilizar a sua consciência, mas por ser a verdade mais gritante: Isso não é um pecado, irmã. Isso, na verdade, é um engano! Maior equívoco não pode haver.
Há alguém que se diga livre de vaidade? Que pessoa mais vaidosa seria essa.
Teve ainda aquele jumento todo animado e ansioso às portas de Jerusalem.
– Por que essa alegria toda, compadre jumento? – perguntou o camelo ao saltitante quadrúpede.
– Ora por quê?! – rebateu o jumento. – Está vendo essa festa toda acontecendo? Está vendo a multidão reunida? Está ouvindo as gritarias, os aplausos?
– Claro! – respondeu o camelo estacionado na fronteira entre a surpresa e a inveja. – Tudo isso é para você?! Nossa! Como você deve estar se sentindo orgulhoso.
– Óbvio que estou, mas eu mereço, né?! Sempre soube que o tal reconhecimento chegaria. Chegou!
– Parabéns, amigo jumento! Mas, a propósito, quem é o cara que você está levando?
– Ah, sei não… Me disseram que é um tal de Jesus.
Para concluir, conjuro as palavras de Florbela Espanca sobre a vaidade:
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo…
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho…

E não sou nada!…