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Sentidos e experiência

08 de outubro, 2016 - por Max Franco

Há todo tipo de dia nessa vida. Há destes, também. Dias nos quais a cabeça não se convence de que há sempre um momento quando o melhor é parar de cismar. Mas, cabeça tem dessas coisas. Cisma, porque é da cabeça cismar.
Hoje a minha, sem minha demanda ou concessão, cismou de cogitar, e pior: de se lembrar. Lembrança, como água, é de se espalhar e, mal nos damos conta, infiltra e toma conta do lugar.
Por isso, a minha mente, hoje, agora, há pouco, como castelo medieval, foi tomada de assalto por mil lembranças. Nem todas convidadas. Algumas, nem sequer bem-vindas.
Hoje me recordei de tudo que fui. Nem que fosse só de improviso. Nem que fosse por pouco tempo, mas, mesmo assim, não dando para negar, fui.
Fui, por exemplo, estudante. Tenho que admitir que nem sempre fui estudante convicto daqueles que altivos brandam seus boletins acima das massas. Fui um nerd relutante. Cara de nerd. Espinhas de nerd. Óculos de nerd. Timidez de nerd. Amigo de nerd. Só as notas de matemática que insistiam em não ser de nerds. Logo as notas…
Não obstante, também não era de fazer feio. (Outra coisa que não contribuía em demasia para a minha popularidade!). A popularidade, sabe-se, mora nos extremos.
Fui outras coisas naquele tempo em que a minha carteira de identidade estalava de tão novinha.
Viajei um bocado, onde tive meus dias de jardineiro, ajudante de cozinha, caixa de mercado, operário em fábrica de brinquedo, lavador de carros, guia de turismo…
Já fiz coisas – no mínimo originais – já concelebrei missa, cantei em boteco, apresentei programa de tv, escrevi e dirigi peças de teatros…
Já fiz tanta coisa.
Já fui tanta coisa.
E tudo me trouxe até aqui.
Todas as decisões que tomei e – principalmente – as que decidi não tomar.
Há também aquelas decididas por outrem ou pelo acaso.
Por sinal, adoraria poder culpar mais gente por tudo que me fez ser o que sou hoje em dia, porém, a verdade é que justamente sou quem eu me tornei e até me quis ser. Com o melhor de mim. Infelizmente, também com o pior.
Quando contemplo o que consegui amealhar nesta vida, isto é, o patrimônio humano que reuni ao meu lado (porque no quesito “fazer grana” sou de uma incompetência visceral), devo dizer que até me orgulho do que sou. Devo ter feito coisas boas, afinal. Tenho pessoas absoluta e irrestritamente fantásticas perto de mim. São poucas, mas dignas de valor. E até sei porque esse fenômeno ocorreu. Ocorreu porque tanta gente é boa e generosa. E porque, à parte todos os meus pesares e apesares, eu sei que me esforcei muito para fazer feliz quem quer que estivesse ao meu lado, ou à minha frente, ou mesmo, ao meu alcance. Ao alcance da felicidade que eu pudesse proporcionar. Gostaria apenas de tê-lo feito mais, e sempre, e melhor.
Hoje, vejo tudo isso. Vejo tantas faces desfilando nas minhas retinas, passeando nas calçadas da minha mente.
E como me sinto depois de folhear o álbum de figurinhas da minha vida? Me sinto repentinamente triste. Triste e sei o motivo. Triste pelo que fui e principalmente pelo que não fui. Pelo que fiz de bom, pelo que deixei de fazer. Por tudo que poderia ter sido e não fui. Pelo que poderia e fui. Sinto-me triste porque cria de pensamento acasalando com lembrança geralmente é tristeza. Sinto-me triste porque, depois de tudo, depois das festas, das comemorações, dos tapinhas no ombro de parabéns pelo belo trabalho, dos sorrisos abertos no corredor, das disputas de prevalecimento e de poder, não existe mais muita coisa a não ser o seu velho companheiro: o vazio. Há vários tipos de vazio, você não sabe? Há, vazio diário dos contatos tão fáceis quanto falsos.
Não sei se o que escrevo faz sentido para mais alguém, nem para mim. Sentido é outra coisa que padece de vazio crônico.
A não ser que eu mesmo – de forte ou de teimoso – insista em preencher o vazio de sentido. Vida é mais experiências que sentidos.
– Para que tudo isso, meu velho? A vida já não é demasiado curta?