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Relato passageiro

23 de julho, 2016 - por Max Franco

 

Se eu fosse uma empresa de transporte de passageiros, qual história contaria para engajar mais ainda os meus clientes?

 

 

O passageiro tinha esperado pouco mais de cinco minutos para entrar no carro, um corolla preto e novo como manda o figurino.

– O senhor aceita uma água? A temperatura está do seu agrado? Tem alguma estação de rádio da sua preferência? – perguntou gentilmente o motorista.

– Me diz uma coisa: eu lhe conheço, não é verdade? – disse o passageiro mal havia começado a corrida.
– Pois é, você também não me é estranho! – respondeu o motorista olhando pelo espelho.
– Você é o Ronaldo que estudou no Santa Efigênia, não é?!
– E você, o Laurentino. Só que na escola, você tinha um apelido…
Escova. Todos me chamavam de Escova. Até os professores me chamavam de Escova naquele tempo.
– Nunca perguntei, mas, sem querer ser indiscreto, por que “Escova”?
– Ora, porque eu nunca me penteava. Meu cabelo estava sempre pedindo escova naquela época. E hoje pede cabelo.
– Cada época com seus problemas, não é? – disse o motorista espiando novamente pelo espelho.
– Mas, me fale de você, Ronaldo! Você me parece ótimo. Boa forma, bronzeado, bem disposto…
– Pois é. Não tenho o que reclamar…
– Mas, me desculpe por perguntar, essa sempre foi sua ocupação? – inquiriu o outro com certa hesitação.
– Não era. Na verdade, era representante de remédios.
– Sei demais! Aquele da pasta.
– Isso. Da pasta pesada, desgraçada, infeliz… Eu me formei em administração de empresas e trabalhei em algumas. Porém, quer saber? Foi aqui no Uber que me dei melhor, sabia?
– Não me diga! Sério? – soltou o passageiro com alguma surpresa. – Mas, não é muito… exigente?
– “Exigente” era o meu último gerente, Laurentino. Essa coisa de lidar com chefe intransigente e com horários, metas, manuais de conduta da empresa… Tudo insuportável! Aqui, faço o meu horário, não tenho chefes nem metas estipuladas.
– Parece bacana!
– Claro que é! E ganho bem mais do que ganhava no meu último trabalho.
– Você parece ótimo! – disse olhando para a sua barriga saliente e para o seu tom de pele gravemente branco-esverdeado . – Eu nunca tenho tempo para nada. Só para a firma!
– Nunca mais quero isso na minha vida! Eu vou diariamente para a academia, Laurentino. Levo meu cachorro para passear no parque. Acompanho meus filhos sempre que possível. Ontem à tarde, por exemplo, fui assistir ao jogo de futebol do Pedrinho na escola. E quando preciso de mais grana, é simples, aumento minha carga de trabalho. Mas, sem exageros, sabe? A vida é muito mais do que trabalho e trabalho, não é?
– Não sei. Eu sou um escravo da firma, sabe? Nunca fui ver meus filhos fazendo nada. Nem na escola, nem no clube. Acho que vivo para dar satisfação ao meu chefe e dinheiro para o dono da empresa. Ouvir você contar do seu trabalho me deixou em crise…
– Olha, Laurentino. É nos momentos de crise que ocorrem as maiores transformações. Não tenha medo da crise. Tenha medo é da zona de conforto. Se você não está feliz, deveria fazer alguma coisa. A vida é curta demais para sermos escravos de algo ou de alguém. Exija a sua alforria, amigo! Coragem!
– Estamos chegando ao meu destino, Ronaldo. Mas, adorei conversar. – – Obrigado pelo bom papo!
– O bom papo está sempre no pacote, ao lado da água e das balinhas. Chegamos ao seu destino, Laurentino.
– Na verdade, acho que o meu destino sou eu que faço, não é?
– Sempre, Laurentino.
– É Escova, Ronaldo. – disse o homem volumoso saindo do veículo com um sorriso de menino. – Me chame de Escova, amigo! Sucesso por aí!