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Um mentor para chamar de seu

02 de maio, 2017 - por Max Franco

Era a minha terceira sessão de mentoria com ela e já fazia dias que eu contava os minutos para retomar o nosso papo.
Ela tinha um aspecto miúdo, beirando os sessenta anos, estatura econômica, tão magra que parecia que um espirro a desmontaria. Um olhar eterno de Obi Wan Kenobi sempre repousando num rosto tranquilo. Um olhar que ora desafiava, ora duvidava, mas sempre denotava compreender mais do que eu lhe falava. Depois, ela sorria. Não era um sorriso destes que se encontra a toda hora na rua. Aquele sorriso desarmaria um exército.
E como escutava bem aquela mulher. Era um escuta ativa. Ela, toda, virava ouvidos, porque tudo no seu corpo demonstrava que ela estava ali só por uma razão: por mim.
Naquele dia, mais uma vez, eu lhe trazia a mais recorrentes das minhas queixas…
– … o trabalho. Não suporto mais meu trabalho!
– Como assim, “não suporta”?
– Me sinto desprestigiado, subvalorizado, desperdiçado. Há anos que não o encaro mais como um desafio ou como um meio de crescimento profissional e humano, mas apenas como um modo de conseguir pagar as contas no fim do mês. Eu vivo para pagar contas. Respiro para pagar contas, as quais – na maioria das vezes – nem sei por que as fiz. Talvez para preencher algum vazio interior. Tento fechá-lo com coisas. Me sinto vivendo a vida de outros e não a que eu deveria.
-E por que não muda de vida?
– Para fazer o quê? Para ir para onde? Todos dizem que sou feliz porque tenho emprego. Que eu reclamo de barriga cheia. Que deveria me dar contas dos 15 milhões de desempregados que existem no país, blá, blá, blá…
– Mas, você não pode ficar com o que não é seu.
– Como assim?
– Você disse: essa vida não é sua. Você tem que devolvê-la para quem a deseja. Existiriam sujeitos que seriam felizes com o seu trabalho, não? Você é feliz com ele? Não é! Entregue-o para quem precisa. Portanto, devolva.
– E eu vou fazer o quê?
– Vai achar a sua vida. Aquela que você quer e merece. Você precisa cavar, prospectá-la…
– Fácil dizer. Mas eu tenho medo, ora…
– Ainda bem. Quem não tem medo, não é corajoso, é doido! É louco ou inconsequente, o que dá na mesma. Coragem é superar o medo. – disse ela com aquele sorriso vitalício.
– Como eu faço para superar?
– Você mata a vaquinha.
– Ai! Este capítulo, eu perdi. Não entendi patavina. – disse, confuso.
– Há essa história famosa. Muito conhecida, a da vaquinha e da fa…
– Não conheço.
– Fazer o quê, né? O jeito é contar. – falou ela se curvando na cadeira para se aproximar mais de mim. – Vou lhe fazer uma versão reduzida: Havia essa família que morava num lugar remoto. Era um local sujo, decrépito e miserável. Um pedacinho de terra, uma casinha se equilibrando em paredes improváveis, um curral com uma vaquinha magra.
– Certo. Então…
– Então, certo dia, passa um viajante a cavalo que percebe a miséria do lugar e vai ter com eles. O sujeito bate palmas. Depois de alguns minutos, toda a família sai da casa para atendê-lo. Estão, obviamente, curiosos. “Estou viajando faz dias e não tenho mais nada para comer. Vocês não teriam um prato de comida para este peregrino?”. “Não temos nada, moço!”. Disse o pai de 4 filhos com um olhar minguado e um sorriso de poucos dentes. “Temos apenas um pouco de leite. Na verdade, o que nos salva é esta vaquinha. Não sei o que faríamos sem ela.”. “Posso ver a mimosa?”. “Claro que pode. Venha ver a nossa benfeitora.”
Foi que o homem, inadvertidamente, puxa uma pistola e atira duas vezes bem no meio da cabeça da vaca.Todos se jogam de joelhos ao chão entre arengas, lamúrias e muitas lágrimas. O homem não se fez de rogado e, saltando no lombo do cavalo, seguiu pela estrada estreita.
– Que sujeito maldoso! Como assim? Ele tirou o único sustento daquela família?!
– Maldoso? Veremos!
– Maldoso e sem coração!
– Pois o maldoso sem coração, anos depois, passou pela mesma estrada e observou que a casinha não mais existia. Ele não se surpreendeu quando viu no seu lugar um grande estabelecimento comercial, rico e ativo. Mais uma vez, ele esticou os seus passos até o lugar para conversar com as pessoas que lá estavam. “Mas, eu lhe conheço! Você é o homem que matou a nossa vaca! Agora chegou a hora da nossa vingança!”. Gritou o jovem que saiu para atendê-lo. “Vingança pelo quê?”. Perguntou o cavaleiro. “Vocês se lembram da vida infeliz que tinham? Vocês não percebem que aquela vaca atrasava o vosso progresso? Não viram tudo que fizeram depois que a perderam? Hoje não estão prósperos e saudáveis? Não são mais felizes?”. “Somos. Claro que somos!”. Disseram se entreolhando. “Pois eu desejo um copo de leite. Vocês tem?”. Todos riram, satisfeitos.
– É uma história bacana! Entendi a questão. Você quer que eu mate a minha vaquinha…
– Quem quer é você, rapaz! E já faz tempo! – E com um sorriso que demorou um mês, ela completou. – Eu quero é um churrasco!