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As lutas que valem a pena

26 de junho, 2017 - por Max Franco

Era uma vez um cão, mas não um cão comum desses com os quais a gente topa todos os dias, mas um cachorro com certas peculiaridades.
É que Vanderbilt – sim, para piorar, o nome dele era Vanderbilt – era um pinscher que se achava doberman. O problema é, que, de fato, um pinscher parece mesmo com um doberman, mas numa escala consideravelmente inferior. Porém, quando pequeno (isto é, quando muito jovem) ele viu na tv um doberman, se achou parecido e meteu na cabeça que era um. “Eu me chamo Vanderbilt. É lógico que sou um cão de guarda alemão”, pensava o cãozinho equivocado.
Vanderbilt morava numa casa com duas irmãs idosas, que tinham como hobby criar cachorrinhos de pequeno porte. A casa, portanto, era habitada por um chihuahua, dois pugs, um poodle toy e, é claro, pelo nosso protagonista, o cão que era o mandachuva do pedaço, o pinscher que se achava doberman. (A propósito, eu sou o Rocky, o chihuahua. Mas, só entro na história para relatá-la. Sou uma mera testemunha ocular.)
Tudo ia muito bem até aquele bendito ano no qual as irmãs tiveram que se mudar permanentemente. Na verdade, isso foi um eufemismo, porque essa mudança permanente foi para o cemitério mais próximo. Primeiro uma, depois de dois meses, a outra. E nós, os cachorrinhos, acabamos sem guarda ou teto.
O jeito foi nos dividir em diversas casas de familiares das irmãs falecidas.
O problema é que ninguém queria o cão alemão, mal humorado e temperamental.Todos concordavam que Vanderbilt era arrogante e irritadiço. Nem dobermans eram tão intratáveis quanto o cãozinho que se achava doberman.
Foi aí que o diminutivo de doberman foi para um abrigo de cachorro e, como cantou Renato Russo em Faroeste caboclo, “foi para o inferno pela primeira vez”.
Eu soube depois que Vanderbilt chegou ao abrigo e se assustou com a envergadura dos cachorros do lugar. Mas, em vez de se adaptar à nova condição, de tentar ser amistoso e cordial, o cão continuou com os hábitos agressivos de outrora. Costume de casa vai à praça. E, no caso, também ao canil. “Afinal, sou um doberman, ora. Eles que devem ter medo de mim. Será que esses cães não enxergam direito? Será que não temem pela vida? O primeiro que fizer uma gracinha vou pegar pela jugular. Que venha!”. O problema é que ninguém havia dito a verdade ao pequeno cachorro. Ninguém dissera que ele era apenas um pinscher.
Eu não mencionei antes, mas Vanderbilt ainda tinha um grande agravante no seu histórico: horas e horas assistindo com a irmãs a palestras e mais palestras de motivação, PNL, autoestima e outros mais temas que viraram modinha ultimamente. “Basta acreditar, acreditar muito, que eu venço qualquer um, que supero qualquer desafio! E eu acredito. Eu sou um doberman, afinal. Um assassino impiedoso. Vou fazer o primeiro vacilão em pedaços e postar na rede para todo mundo ficar com medo de mim! Vou me fazer respeitar. Um líder tem que ser temido!”
Não demorou muito, logicamente, para aparecer o tal candidato a ser fatiado. Tudo começou como, geralmente, começam as brigas de cachorros: por nada. Ou por nada específico. Vanderbilt rosnou para um velho rottweiler e, em segundos, estavam engalfinhados terrivelmente.
Ao menos, terrivelmente, para o nosso pinscher com mania de grandeza.
A “luta” é forma de dizer. A melhor definição seria, talvez, massacre.
No fim, Vanderbilt estava largado num canto do canil, moído e ensanguentado. Mas, mais destruído ainda ficou o seu antigo orgulho. O choque de realidade não poderia ter sido mais doloroso para o pobre cãozinho que se considerava grande.
O que poderia ocorrer de pior para o nosso Vanderbilt? Como poderia ficar ainda pior? Poderia? Claro que poderia. Sabe em qual pensamento ele foi se abrigar depois do seu desastre? Ele poderia ter dado conta do seu estado e escolhido viver segundo as suas condições e possibilidades, não podia? Mas, não foi isso que aconteceu. Como sabemos, é muito difícil romper hábitos. É muito difícil fugir dos paradigmas mentais de uma vida inteira, livrar-se dos condicionamentos erguidos durante anos, de práticas, costumes e de uma cultura. Este foi o erro de Vanderbilt: ele não caiu no chão mas não em si.
“Faltou fé em mim!”, pensou ele. “Faltou acreditar, ter fé nos meus potenciais. Crer é poder. Nós somos o que pensamos! Eu sou um doberman! Quando eu melhorar, eu pego esse rottweiler! Eu pego sem piedade!”
Não demorou muito e Vanderbilt, o pinscher que se achava doberman, foi enterrado na mesma cova das irmãs que o criaram como um cão de caça.
“Cada um deve saber dos seus potenciais”, latia sempre a minha mãe. “Todo mundo deve ser o melhor que pode sendo quem é, e, principalmente, saber escolher quais são as suas lutas.”
O resto é papo furado de palestrante charlatão.
Requiescat, Vanderbilt.