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Perdas e ganhos

05 de abril, 2023 - por Max Franco

 

“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nos enquanto vivemos.” (Pablo Picasso)

 

Não é a conclusão mais eufórica de todas, mas preciso admitir que estes anos vêm sendo períodos de perdas e de perdas irreparáveis, inconsoláveis, insubstituíveis. E foi refletindo – e me condoendo sobre essas perdas – que cheguei à outra conclusão não mais animadora: viver é perder.

É claro que sempre há aquela raça irritante de alegrinho que vive fazendo apologia ao lado bom das coisas. Aquele tipo panfleteiro, habitué de livros de autoajuda, que vai se atrever a postular exatamente o contrário e proclamar sorridente que a vida é um conjunto ininterrupto de ganhos. Particularmente, não gostei de Pollyana nem no original. Imagina pirata.

Há também o estóico, equilibrado e prudente, que sentado sobre o trono da sua sensatez, vai declarar que, de fato, a vida é um eterno jogo de perdas e ganhos.  Profundo. Belo. Mas, padece de uma inadimplência crônica de criatividade. Por sinal, nada mais clichê nesse mundo que o bom mocismo politicamente correto pingando obviedades.

Eu tenho cogitado se, na verdade, a vida não seria uma coleção de perdas.

E argumento:

A primeira perda à qual somos sujeitos, por exemplo, é a do útero. Do quente, seguro e confortável útero da mãe. Algum dia superamos os temores que ganhamos ao escaparmos de sítio tão confiável e aprazível? Woody Allen, inclusive, evidenciou a questão: “Só há pouco descobri que meu grande problema é um desejo intenso de voltar ao útero. Qualquer útero.

Não posso contestá-lo efusivamente.

Desde o início, portanto, a vida é uma sucessão de perdas.

Como alertei, mal nascemos e já perdemos o útero. Não demorará muito e perderemos a reconfortante sucção dos seios. Depois, perderemos a meninice, os brinquedos, a fé em coelhinhos da páscoa e em papai noel. A verdade é buscamos certas perdas. Crescemos mais um pouco e perdemos o dia envolvido em escondes-escondes, em brincadeiras intermináveis, em risos rasgados e joelhos esfarrapados (ah, os joelhos esfarrapados!!!). A vida segue seu curso e se apresentam mais e mais perdas. Comemos para perder a fome e nos vestimos para perdermos a nudez. É o velho ciclo das perdas (muitas) e dos ganhos (poucos). Estudamos para perdermos a ignorância e lemos livros, competimos, assistimos a filmes para perdermos o tédio. 

E aí virá o tempo em que acontecerá a desejada perda da virgindade. Engraçado que ninguém diz que é ganho de nada, mas perda. Se é bom por que é perda? Se é o começo de uma prática prazerosa, por que é perda? O que se perde ao perder a virgindade? A inocência? Só é inocente quem não faz sexo? Então, sexo é atitude de culpados. Namoramos, então, para perdermos a solteirice. Noivamos e acabamos perdendo a namorada. Após, quase sempre, casamos e, fatalmente, perdemos a noiva e a namorada. Mas, ganhamos um bocado de dívidas, um kit completo de dores de cabeça e, de brinde, a sogra. Corremos, então, para perdermos a barriga e para não ganharmos a chance de sermos preteridos por quem nos interessa.  

Invariavelmente, trabalhamos para não perdermos a comida, a roupa, os livros, os filmes, a esposa e a sogra. Ganhamos alguns amigos, no entanto, e perdemos o privilégio da solidão. Ganhamos amigos e nossos pais perdem a nossa exclusividade. Ganhamos idade e perdemos os dentes de leite, a pele perfeita, a voz infantil, o olhar de surpresa para tudo e para todos. A posteriori, perderemos amigos, amores, e, amargos, vagaremos em busca de novas doçuras para aplacar os azedumes ganhos no acumular do tempo.

Tempo, tempo, o imperador de todas as perdas.

Perde-se depois comportamentos, rotinas, pensamentos, ideologias e os companheiros dos respectivos ideais. É uma das piores perdas. A perda de gente. Gente extraviada pelo caminho. Gente perdida para a morte e, infelizmente, gente perdida pela vida.

Também, perderemos lugares no exato momento em que ganharemos outros. E ficarão para trás tantas localidades, paisagens, paragens, praças, estradas, pegadas…

Triste é quando observamos que estamos perdendo a nós mesmos quando o nosso corpo perde as suas possibilidades. Perderemos então, geralmente pouco a pouco, numa tragédia anunciada e tanto resignada, o nosso viço, o nosso vigor e todo e qualquer vestígio da nossa benfazeja juventude.

Não há jeito: todo ganho será uma inexorável perda, mais cedo ou mais tarde, mas não tão tarde. Geralmente, mais cedo que imaginamos. Pois, todo ganho é uma pré-perda.

A transitoriedade da vida faz de tudo perdível.

Perderemos avós, pais, irmãos, afetos e – raramente – desafetos.

Perderemos, inclusive, as perdas e as conquistas.

Perderemos dores e alegrias.

E o mais irônico é que a nossa vitória será ela mais uma grande perda quando, por fim, perdermos a nós mesmos e a Morte vier nos resgatar.

Porque, estranhamente, a nossa vida só terá valido a pena se sentirem a nossa perda.

E serão aqueles poucos que se importam que sentirão a nossa perda, já que, no fim, cobraremos a conta do nosso afeto de quem mais nos ama, de quem resistirá em nos perder.

Todos que nos amam, mais cedo ou mais tarde, ainda pagarão caro por terem nos amado.

Neste momento, ao menos, não haverá mais perda alguma. Porque tudo já estará perdido.

Essa é a Vida. Não há ganhos sem perdas. E tudo que não é perda, é preparação para perda. Resta-nos aprender a lidar com isso sem desespero, sem cevar fantasias, sem delírios e como adultos. 

 A melhor definição de adulto é essa: é um sujeito que aprendeu a lidar com as perdas.