https://www.maxfranco.com.br/cronicas/o-ultimo-quarto/
O último quarto
20 de março, 2021 - por Max Franco
Estava naquela cidade para uma consultoria em escola. Deveria voltar para Fortaleza na mesma noite, mas o staff do colégio me pediu para ficar mais um dia. Sobrou-me resignação e buscar um hotel para a noite solitária. Entretanto, o habitual estabelecimento estava cheio. Disse-me o recepcionista. “Tem apenas um quartinho lá atrás, Professor Max.” Perguntei “lá atrás?”
“Sim, é o último quarto.”
“Ora… serve.”
“Certeza?”
“Na hora””
Quando cheguei, entendi por qual motivo ele não demonstrou tanta segurança. O quarto não era o “último” apenas na localização, era em todos os sentidos.
Quando entrei, deu para ouvir claramente a gargalhada de uns 48 pernilongos que me esperavam com os talheres nas mãos que não tinham. “Oba, temos jantar!”
A provação só tinha começado.
Os lençóis castigados deixavam às claras os anos de quilometragem e as manchas amarelas de noites pretéritas de paixão. O travesseiro, uma fina lâmina que funcionaria melhor como tapete de banheiro, coisa que, por sinal, inexistia.
“Ufa! Ao menos, tem ar-condicionado!”
Tinha mesmo. Entretanto, o preguiçoso exalava, de vez em quando, um hálito velho, pestilento e enferrujado.
“Sabonete?” Nem pensar. Pior foi descobrir depois de entrar no box e ligar a água (gelada). Praguejando, me vesti mais uma vez e fui até a recepção. O sujeito olhou-me com o olhar que dizia “eu avisei”. Eu só disse “sabonete” e desconfiei do sorriso atrás da máscara. Ele me entregou uma barrinha que mais parecia um chiclete. Agradeci com um rosnado e me dediquei ao frio suplício do banho sentindo um piso engordurado debaixo dos pés.
A toalha, como não podia ser diferente, me arranhou o corpo e me mordeu o rosto.
Olhei para cama e pensei duas vezes antes de me deitar.
“Melhor nem pensar”, pensei e não adiantou porque pensei mesmo pelo que poderia ter passado aquele lençol.
Por sorte, estava pesado de sono e tive uma noite sem sonhos.
Pela manhã, o recepcionista aceitou meu pagamento com o mesmo sorriso por detrás da máscara.
Os olhos interrogavam “Era ou não o último quarto?”.
Eu nada disse e mantive a dignidade esfarrapada em silêncio.
![Pode ser uma imagem de quarto](https://scontent.ffor15-1.fna.fbcdn.net/v/t1.0-9/162713672_10216608060987235_3130276513026852254_n.jpg?_nc_cat=105&ccb=1-3&_nc_sid=730e14&_nc_eui2=AeFAO0ChQl-jPQaP5gzmdCcqFPPM8Hv9w4kU88zwe_3DiX47bcLWZKjNx7tQ9mQdcXg&_nc_ohc=xdzIxWrztqoAX86MpoW&_nc_ht=scontent.ffor15-1.fna&oh=e3b63f7428c66ebb64b61e46171bb913&oe=607C8511)
Comentários