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O abraço

01 de abril, 2020 - por Max Franco

Ele, o músico, há dois anos no exterior.

Ela, a estudante, esperando por ele com a urgência daqueles que amam.

Ele também a ama e ama com a fome de um jejum prolongado. Ama com a pressa de quem vive privado do objeto do seu afeto.

Ela, com a alma gritando de abstinência, sabe da vinda do ser amado.

– Você está vindo?

– Estou, mas…

O “mas” é uma doença, uma nova doença, um vírus com nome de cerveja mexicana. Todos só falam da epidemia que passou de fase e ganhou divisas de pandemia.

Ele precisou fugir da Lombardia. Orquestra fechada. Cidades sitiadas pelo medo e pela Morte onipresente. Morte delivery. Morte no atacado. Engarrafamento de mortos.

Ela, coração nas pernas, corre para o aeroporto. Ele vem! Ainda me amará com as mesmas cores de antes? Eu o amo. Amo até com os membros que não tenho.

Voo confirmado. Avião em terra. Portas abertas. Mala de rodinhas. Ele! Ele de máscara. Olhos dele.

Ela. Enfim. Ela… Não há palavras nos dicionários de nenhum país para definir o que sinto ao vê-la.

A gente do aeroporto não esperava ver aquele espetáculo e todos pararam o que faziam para assistir ao encontro dos jovens que se amavam. Ela corre. Ele corre. Mas, param a um metro um do outro. Olham-se com os olhares mais molhados e ensaiam um abraço que nunca ocorreu. Abraçam o vento. A projeção um do ou outro. Abraço abolido, adiado para nunca mais.

É que ele trazia na bagagem mais do que as roupas. Ele trazia um clandestino que acabaria por lhe sabotar os pulmões e a vida.

Ele a avisara, amor, sem beijos nem abraços. Só depois, claro, depois. Dias depois… Depois-nunca-mais.

Depois não houve, nem beijos nem abraços nem nada.

Eles ficaram se olhando com aquele olhar eloquente, olhar prenhe das palavras mais doces no mais profundo silêncio. O silêncio, como que declarado, contagiou a todos que apreciaram a cena.

Um diante do outro, famintos pelo abraço do outro, os dois se olharam demoradamente.

Há desses momentos nos quais palavras são gratuitas.

Foi que uma menina com a boneca no braço se deu conta de que as lágrimas dos amantes, aos borbotões, escorregaram até o chão e , lá, se misturaram em um abraço, um toque, que durou eternamente, ternamente.