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Coração de rato

21 de agosto, 2017 - por Max Franco

– Dizem alguns historiadores que o cavaleiro templário, no seu ritual de iniciação, recebia uns tapas e um beijo.- disse Paulo Campos, o diretor mais veterano da empresa. – Até hoje, em algumas nações monárquicas, isso é repetido de forma simbólica. A gente vê nos filmes. A rainha consagra o cavaleiro “batendo” algumas vezes os seus ombros com uma espada. Já viu isso?

– Sim. – disse Roberto. – Só não entendia o significa nem o sentido.
– O sentido é o seguinte: toda promoção não traz apenas vantagens, mas responsabilidades. Veja você agora, está se tornando o gerente mais novo da empresa. Com isso, você terá um salário maior, mais benesses e glamour, mais visibilidade… No entanto, terá que se dispor, várias vezes, a fazer o que chamo de “trabalho sujo”!
-Não entendo o que isso quer dizer.
– Vou usar a metáfora. Você sabe, sou adepto do storytelling. Nada melhor do que uma boa história para explicar bem um argumento. Veja a diferença entre o leão e a hiena. O leão não é o “rei da selva” por nada. Ele está disposto a fazer o trabalho sujo. Ele vê a gazela, caça, mata e come. Por causa disso, ele pega a melhor parte. As hienas, porém, são carniceiras. Elas ficam com o resto. Se você está pronto para ser leão, terá vantagens, mas, também, obrigações nada palatáveis, meu caro.
– Que tipo de obrigação, Paulo?
– Antes de tudo, você terá de ser modelo. Não dá para cobrar da equipe algo que você não faz. Depois, você precisará impor a sua autoridade. Lembre-se: você não se torna líder para agradar às pessoas, mas para guiá-las para um lugar melhor. E este “lugar” é o melhor desempenho possível. A propósito, a sua primeira ação como gerente será dispensar o Fred.
– Como assim? O Fred?! – falou atônito. – O Fred é meu amigo pessoal. A gente se conheceu na faculdade. Foi ele quem me abriu as portas da empresa. Ele…
– Ele está com uma avaliação péssima, Roberto! E já faz algum tempo. Além disso, está se atrasando muito, não entrega nos prazos, aparenta falta de compromisso… Você agora é o gerente da equipe. O beijo, você sabe o que significa. É todo o bônus do qual você irá usufruir. Eis o tapa. O primeiro de muitos. A liderança também traz o seu ônus.
– Mas, ele tem dois filhos, Roberto. Sou seu padrinho de casamento…
– E, agora, seu chefe. Podemos usar todos os eufemismos, Roberto. Podemos apelidar os funcionários de “colaboradores”. Podemos dizer que a empresa é uma “família”. Mas, a verdade que a empresa é uma empresa e ela vive de produção. O seu papel aqui é, antes de qualquer coisa, o compromisso com perfomance. Faça-o da forma mais humana e ética possível, mas faça. Nós não somos uma ONG beneficente.
– Não vou mentir, Paulo. – disse Roberto titubeante. – Eu não sei como terei coragem.
– Pois vou lhe contar outra história. Já lhe disse, não? Eu amo histórias. Essa conta que, há muito, muito tempo, existia um rato e este rato era muito medroso. Conta essa antiga história que um ratinho vivia angustiado com muito medo do gato. Ele, então, foi consultar um mago que, pensando que resolveria o seu problema, o transformou em um gato.
– Problema resolvido? – perguntou Roberto.
– Claro que não! Porque havia o cão e, agora, ele tinha muito medo do cão. Voltou ao mágico que o transformou em uma pantera
– Aí resolveu?
– Outra vez, não. Porque havia, também, o caçador. E, agora, ele passou a temer o caçador. Voltou ao mago que, desta vez, o transformou novamente em rato. “Mas, por que você fez isso?”, perguntou o rato, ainda com mais medo. “Nada que eu fizer vai resolver seu problema. Você só tem a coragem de um rato!”
– Acho que entendi a moral da história, Paulo. – falou Roberto, se erguendo da cadeira e caminhando para a porta da sala. – Eu não serei um rato. Você vai ver!
– Não seja rato. Nem hiena. Seja o que você é, rapaz! Seja o que é!