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O homem cotidiano e a sua geladeira

18 de agosto, 2020 - por Max Franco

 

Engana-se quem pensa que o mal é cometido apenas pelos “maus”. É o cidadão comum, que faz apenas o que lhe cabe, o maior incentivador do que há de pior na humanidade. É o mal ordinário, cotidiano e silente. É aquele que concordando ou não, não se contrapõe às opressões e injustiças.

Hannah Arendt chamou esse fenômeno de “A banalidade do mal”.

Eu tive pouca consciência da ditadura brasileira. Eu nasci em 1970, era adolescente quando o sistema autocrático caiu. Mas, a minha geração, de maneira geral, tinha repúdio ao autoritarismo. Eu me lembro muito bem do medo que sentíamos. Medo de qualquer pessoa que vestisse uma farda. Medo, principalmente, de declarar qualquer coisa contra o governo opressivo daquele período.
Hoje, anos depois, tenho outra impressão daquela época. Não era apenas medo que movia ou silenciava as pessoas.
Da mesma forma que não era na Alemanha nazista, no Chile de Pinochet, na França ocupada e no Brasil de 2020.
Havia e há medo. Mas, há, também, muito silêncio patrocinado.
É a mudez pecuniária, interesseira, estratégica. A mesma que tinham os colaboracionistas franceses na 2a guerra. Nem todo mundo foi resistência, oculta ou ostensiva. Muitos simplesmente baixaram a cabeça e calaram-se. Por medo e covardia, mas também por promessas de ganhos pessoais.
É o mesmo que ocorre no Brasil de 2020. Se a geladeira estiver cheia, se os bolsos estiverem ocupados, para que oposição? Morra quem morrer. Queimem as florestas. Façam seus acordos escusos. “E dai” é o novo mantra, quase um lema.
Ideologia? Princípios? Honra?
Tudo isso cai por terra quando os interesses estão em jogo. E quando não estão?
Há tantos discursos fáceis. Há tanta gente dizendo que teria lutado contra os comunistas, nazistas, golpistas, colonizadores, militares, em suma, contra os opressores. Mas é mentira. É apenas balela para mostrar uma altivez e uma coragem, as quais, na verdade, nem de longe entram na conta. A maioria cuida do seu. Cuida do bolso e da geladeira. Os valores despencam quando as prateleiras podem ficar vazias. Os heróis são sempre admiráveis, mas apenas na TV, no cinema e nos romances.
É o que vemos nesse bizarro Brasil de 2020: poucos, muito poucos, se importam com a coletividade.
Só o que importa é a geladeira.

A sua.