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O ano que passou e o que vem

26 de dezembro, 2021 - por Max Franco

Rubem Braga, cronista virtuoso, aos 80 anos bem vividos, declarou certa vez: ultimamente têm passado muitos anos.

Eu nem preciso chegar aos 80 para chegar à mesma conclusão. Os anos – principalmente os últimos – têm passado numa velocidade Hamiltoniana (ou Vestappeniana, no caso atual).

2021 foi o ano pela metade, sob todos os ângulos. Foi o ano que quase foi, mas não foi. O ano que poderia ter sido, mas não foi. O ano que poderia ter nos livrado da peste e dos vermes, mas a peste continua por aí, igual e diferente, e os vermes, também, todos de plantão, se esforçando em piorar o que já não está nada bem. 

Podemos acionar o modo “copo meio cheio” para acalentar nossa resiliência. Perdemos muito, mas não perdemos tudo. Quem perdeu tudo não está mais aqui. Há quem tenha perdido mais. Há quem tenha perdido menos. De maneira geral, perdemos, mas, nem por isso, o ano foi perdido. Não há essa de ano perdido. Ano não é aquela chave de carro cujo paradeiro não sabemos qual é. Ano não se extravia.

2021 foi uma promessa não cumprida. Teria sido o ano que curaria, mas não curou de todo. Todos os dias muitos ainda adoecem ou morrem por causa de uma doença que já tem vacina. No Brasil, um ano atrás, todos esperavam que, em um passe de mágica, o vírus fosse embora na virada do ano. Mas vírus não observam calendários. Vírus têm as próprias agendas. E, por isso, terminamos mais um ano assolados por uma doença teimosa que decidiu se instalar por aqui. Até quando? Não sabemos.

O que descobrimos em 2021? Muita coisa sobre a qual preferiria nem ter sabido.

Quem gostaria de saber que temos tanta gente que pensa só em si mesma?

Quem gostaria de saber que temos, ao lado, tantos negacionistas?

Quem gostaria de saber do desemprego, da inflação, da carestia e do desespero de tanta gente?

Quem gostaria de saber que a verdade possa ser vilipendiada de tais formas?

O fato é que não conhecemos as pessoas quando tudo está lindo, divino e maravilhoso. É nas crises que conhecemos os outros e a nós mesmos.

Teve, ainda, quem gritasse aos quatro ventos #vai dar certo. Pois é, não deu. Morreram, só no Brasil, 620 mil pessoas. No mundo, mais de 4 milhões. Sem falar de todas as demais perdas causadas pela pandemia. Ainda não deu certo, ao menos, para a maioria. Mas, é claro, sempre dá certo para alguém quando dá errado para os outros. O que falta nessa hashtag é completá-la devidamente: #vaidarcertoparamim. 

Há um diálogo no emblemático ” The walking dead” que define bem a situação:

– O problema é que as pessoas são tão ruins quanto os zumbis.

– Na verdade, são piores!

Esta foi mais uma terrível descoberta deste período confuso: há pessoas tão sem coração quanto vírus. 

A verdade é tempos difíceis existem não só em virtude dos acasos, das intempéries, das condições financeiras, sociais e sanitárias. Pessoas fracas também criam períodos difíceis. Entretanto, tempos extremos também podem servir para cunhar pessoas fortes, duras, corajosas e íntegras.

Viktor Frankl dizia: quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transformá-la e quando não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos.

Transformar-se não é uma opção. Transformar-se é a única condição para a sobrevivência. Mas há uma questão aí: transformar-se no quê?

Eis a pergunta que 2022 nos faz. No que iremos nos transformar em 2022? Um ano que tem tudo para ser difícil, ainda mais no Brasil. Um ano de eleição, polarização e de desafios que apontam para dias complicados. Como venceremos os obstáculos que o novo ano nos entrega? Venceremos? Sucumbiremos? Cairemos nos precipícios que se delineiam nessa estrada?

Digo o que sempre digo: anos não definem nada, não são bons ou ruins, não dizem nada. Nós fazemos os anos e não o contrário. Pois venha, 2022! Pronto ou não, estou à espera das suas dádivas, dívidas ou dúvidas.