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A partida de um monstro

27 de novembro, 2020 - por Max Franco

-Olha o que esse monstro fez, filho? É um monstro! Um maldito monstro! – me disse o velho quando assistimos à celebre partida da Copa do mundo de futebol de 1986.

Foi do que me lembrei nesse dia da morte do herói Dom Diego Armando Maradona.

-Herói?

Mas, por que herói?

Quem Maradona salvou?

Pelo dicionário de significados, HERÓI é termo atribuído ao ser humano que executa ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos.

Além de bravura e coragem, um ato é reconhecido como genuinamente heroico quando a pessoa desempenha ou toma determinada atitude de modo altruísta, ou seja, sem motivos egoístas ou que envolvam o seu ser, mas apenas o bem-estar ou segurança de terceiros.

Maradona morreu e foi alçado aos mais altos patamares da sua nação, a Argentina, como também figura nos gloriosos baluartes do ofício que praticou durante boa parte da sua vida. A verdade é que, quando se fala de futebol, o garoto que nasceu e se criou na periferia de Buenos Aires é colocado como um semideus no panteão do esporte mais popular do planeta.

Entretanto, podemos batizar de herói um sujeito que viveu sempre acima dos limites do aceitável? Maradona, afinal, não é apenas apelido de gênio e craque, mas de qualquer sujeito afeito a excessos.

Maradona – faz anos – dava mostras de que não teria tantos anos à frente. Dom Diego escrevia seu obituário há, ao menos, duas décadas.

ALÉM DA QUEDA, O COICE é uma expressão que cabe milimetricamente quando falamos dos hermanos argentinos nos dias atuais. Vivendo (mais) uma crise econômica e social apoteótica, combalidos pela pandemia, assistem à agonia e morte do seu maior ídolo. Nós, brasileiros, só conseguimos entender porque, anos atrás, tivemos a morte de Ayrton Senna, alguém que, para aquela geração, foi tão representativo e emblemático quanto Maradona.

-Mas e o Pelé? A sua morte vai doer tanto?

Talvez só saibamos quando chegar essa hora.

Entretanto precisamos levar em conta certas peculiaridades quando falamos de Diego Maradona. São questões que o transformam em uma figura de quinta grandeza para os argentinos. Precisamos falar do gol da “mano de Diós” e, principalmente, do segundo gol, um gol absurdo, um gol acima de quaisquer adjetivos, um gol que lava, enxagua e bota para secar ao sol a alma de uma argentina humilhada pelos ingleses na guerra das Malvinas. Aquilo não foi um gol. Foi uma vendetta.

Por que choras, Argentina?

Ela chora porque morreu quem a fez sorrir, rir, gargalhar.

E chora quem a fez chorar, porque todo argentino sabia que o dia da morte do seu herói estava marcado no calendário. Maradona tinha ainda mais essa marca do herói trágico: ele flertava o tempo todo com a morte. E a fatídica, mais dia, menos dia, cruza o olhar e aceita o convite para jantar.

Não chores por mim, Argentina!

Claro que chora e chorará mais ainda.

Há quem chame de exagero chorar assim por um jogador de futebol. Lágrimas têm dessas coisas. Elas não escolhem por quem desabar. Todavia, quando caem, caem por aqueles deixaram marcas, memórias e saudades.

Herói não é só aquele sujeito de capa e espada que salta dos muros do castelo para derrotar o dragão e salvar a cidade. Herói é quem realiza façanhas improváveis e nos salva do tédio de um cotidiano vazio.

Maradona estava longe de ser perfeito. Mas quem disse que os deuses são perfeitos? Deuses fazem rir e chorar. São bons, são maus. Mas são deuses porque são excessivos. Exatamente como Dom Diego, que viveu exageradamente e morreu ainda mais.