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Granada

14 de novembro, 2021 - por Max Franco

 

 

Diário de bordo – dia 1 – Granada

Gosto de fazer diários de bordo mais para servir de registro das coisas que vi e vivi do que por qualquer motivo. Afinal, não acredito que exista tanta gente assim atenta para as coisas que eu vejo e vivo. Em outras palavras, é uma escrita dirigida a mim que faço aberta para algum curioso que, (talvez) por tédio e falta do que fazer, se permita a ler.

Desde ontem, estou em Granada. A viagem em si merece pouca atenção. Saí do job, no Rio Grande do Norte às 16 horas. Antes das 20, estava arrumando a mala em Fortaleza. Tentei dormir até as 2 da madrugada, mas os pensamentos a mil não queriam apaziguamento. Às 8 da manhã, já havia preparado a mesa para tomar café com a mulher que chamo de minha apesar de saber que ela é dela mesma. Ficamos nessa curta manhã no doce alento de aproveitar a existência um do outro até que o tempo fez o que sempre insiste em fazer e tivemos que partir para o aeroporto. Ela, para Fortaleza. Eu, Espanha. A Vida é assim: fornece encontros e desencontros.

O meu encontro foi com a minha filha que, desde julho, está na Espanha fazendo intercâmbio na célebre Universidade de Granada. Eu tinha lhe prometido que viria vê-la caso entrasse alguma grana inesperada. Coisa que aconteceu exatamente deste jeito: inesperadamente. A verdade é que foi um livro que me trouxe à Granada. Mas, primeiro falarei da filha e, depois, do livro.

Sei que é clichê dizer que um filho é “do jeito que você pediu a deus”, mas os meus são exatamente dessa forma e, Às vezes, nada como um bom e velho clichê para se dizer o que se quer dizer. Até porque não acredito em deuses e, por isso, este clichê funciona apenas uma expressão.

Ingrid, aos 13, meteu mochila nas costas e foi fazer seu intercâmbio nos EUA. Aos 15, nada de festança de debutante, mas viajou com o pai durante 40 dias por 15 países europeus. Agora, com 21 anos, mora na Espanha e, depois, vai para a França a fim de aprender o seu idioma. Aos 22 anos, falará, com fluência, 4 idiomas.

Falando dessa forma até parece que é coisa corriqueira e fácil. Porém, nada disso foi corriqueiro e fácil de se fazer. Este intercâmbio, por exemplo, foi o antônimo de fácil. Em tempos de pandemia, grana curta, inseguranças de toda ordem, foi (e é) bastante complexo. Só para ela conseguir entrar na Espanha foi uma jornada repleta de desafios. Depois de 6 meses esperando a abertura de fronteiras, ela só conseguiu porque assumiu o risco de entrar na Europa pela Turquia, passar 14 dias na Sérvia, atravessar de ônibus pela Eslovênia, até – enfim – conseguir “invadir” a Espanha. Que glória! Depois de tudo, Espanha!

O capítulo “grana” mereceria muitas linhas de explicação, mas não vou tecê-las porque seriam deveras maçantes. Em resumo, vou revelar apenas que, apesar do que poderia parecer, nunca a tivemos sobrando tampouco temos agora. tudo é feito à base antiga. isto é, com muito-muito sacrifício e uma dose cavalar de renúncias.

Por sinal, desta vez, foi um livro que me trouxe à Europa. Isso mesmo: um bendito livro.

“Iracema: cantos e contos” me trouxe um pequeno patrocínio da Prefeitura de Fortaleza. A “grana inesperada” que eu precisava para ir vê-la. Palavras – às vezes – têm esse poder de lhe dar asas.

Encontrei-a muito bem e Granada. Mal cheguei, ainda com a mala nas mãos, fomos à pé para um botequim a fim de provar a cerveja local, Alhambra, e as famosas tapas. Em Granada, é assim que você come, bebe e economiza. Você pede uma bebida e eles lhe dão tapas, isto é, comida. depois cobram apenas a bebida. Uma verdadeira benção. Para começar bem, me concedi um indefectível jamón serrano (presunto cru) com bruscheta.

O apê que ela divide com duas estudantes espanholas é um charme com uma varanda que permite ver os terraços das proximidades. É daqui que escrevo essas linhas para mim mesmo (e talvez mais alguém!).

Enquanto escrevo um rato gigante se aproxima e me oferece café, ao que aceito prontamente. Devo, porém explicar que o rato é uma rata ou, Noemi, uma das suas colegas espanholas que se protege do frio com um roupão que – me parece – imita um camundongo. Minha filha diz que é um coelho, mas, pelas orelhas, me parece mesmo um rato.

Hoje, a programação não poderia ser mais casual. Precisamos comprar sabonete, shampoo, uma toalha e duas canecas de café, porque café deve ser bebido decentemente. Depois, iremos conferir os miradouros da bela cidade e apreciar o pôr-do-sol sobre a cidade de Lorca.

Até o momento, a palavra que define os sentimentos cevados é orgulho. Olho para esta moça magrinha, pouquinha, de cabelos enrolados, e – além de um amor desmesurado – sinto orgulho de tudo que ela se tornou. Eu devo ter feito alguma coisa boa na vida.

Outros momentos virão nesta cidade, nas outras e com ela.