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Dois anos de São Paulo

04 de abril, 2016 - por Max Franco

 

Há frases que me ocorrem diariamente.
Uma delas está merecendo quase o posto de clichê de tanto que me frequenta os pensamentos:
No mundo dos adultos, fazemos opções e pagamos por elas.
Hoje, por exemplo, estava relatando um pouco da minha (louca) rotina para uma professora e ela, sem cerimônias, manifestou – até com simplicidade – a sua inveja da minha agenda. Dizem que inveja confessada é menos perniciosa. Eu espero que seja. No entanto, eu lhe disse exatamente isso: Professora, hoje eu estou aqui, amanhã, ali. Num dia, tenho uma atuação com um grupo, dou uma palestra sobre storytelling numa empresa, por exemplo. Noutro, faço uma reunião com um grupo diferente sobre atividades extracurriculares. Na segunda, tenho lançamentos de viagens para o sudeste do país. À tarde, vou conversar com alunos de outra cidade sobre meus livros. Parece atraente, e talvez até seja realmente. Não estou reclamando. Mas que tem preço, tem.
Nestes dois últimos anos, fiz escolhas e paguei por todas elas. Sou feliz? Não. Felicidade é um lugar para o qual sempre estou a caminho. Sou infeliz? Também não. Infelicidade é outro lugar. Um logradouro que visito, às vezes de noite quando procuro o riso dos meus filhos (e não encontro), outras vezes quando penso na maldade humana (ou a sinto queimando na pele). Mas, não é terreno aprazível que se erga morada.
Faz dois anos que revolucionei a minha vida. Mudei as regras. Atirei fora as velhas roupas, antigos hábitos e aquela forma sempre igual de viver, de agir, de pensar. Eu olhei para a sala de aula do meu futuro e cabulei aula. Faltei ao serviço do meu destino. Subverti o esperado. Alguém fez a chamada e eu não estava presente. Vieram falando de telha e eu pedi melancia.
Tudo parecia tão simples. Parecia. Previsível é a palavra. Considerei a previsibilidade uma maldição e corri dela como o diabo foge da cruz.
Eu fugi?
Decerto.
Fugi da apatia dos dias ordinários, comuns, burocraticamente cotidianos. Dos dias diários demais para meu gosto.
Glamouroso? Nem tanto. Calce os meus sapatos e você vai ver que nada (nadinha mesmo!) foi ou é tranquilo e fácil.
Mas, pagando as minhas promissórias, aprendi muita coisa nova e aprendi minha coisa que já sabia. Tanto que hoje sei que devia – antes – ter sabido. E me arrependo da ignorância do que sei e do que nunca nem sequer desconfiei. Queria ter sabido mais. Isso teria evitado tanta dor. Tanta dor minha e de tanta gente que me importa. Hoje sei destes saberes e eles me doem todos os dias.
Sei das misérias alheias e do alcance das suas maleficências. Mas sei também que nenhuma me machucou tanto quantos as próprias.
Sei que há momentos limítrofes, sentimentos limítrofes e pessoas mais limítrofes ainda.
Sei que também me orgulho pelos obstáculos que saltei, por nunca ter cedido à tentação dos bajuladores, por jogar o jogo limpo, pelos amigos que fiz, pela gente que amo, pelos filhos que fiz, pelo trabalho bem feito, pelas pessoas que – de alguma forma e sei lá como – inspirei e, muito, pelos atos de mais pura coragem. Quanta coragem já tive! Até de ser covarde, aqui e ali.
Sei hoje que a descoberta da sua essência é realizada todos os dias, mas – principalmente – nos momentos extremos. Quando tudo está bem demais ou inexoravelmente mal. Raramente, o sujeito se comporta com dignidade nesses instantes.
Sei menos que deveria. Porém, mais que poderia.
Sei com um saber, às vezes jocoso, às vezes raivoso, um tanto cansado.
Sei com aquela sapiência dos desavisados, dos loucos e lunáticos, mas sem a certeza benfazeja dos muito jovens. É que só os garotos têm certezas absolutas.
Nós,adultos, as trocamos anos atrás por medos e dúvidas. E as certezas ficaram todas espalhadas pelo chão do quarto, algumas extraviadas, perdidas para sempre. Perto dos sonhos.
Sei disso tudo e de tanto nada.
Assim foram estes últimos anos: descobertas de mundo, de mundos. Principalmente do meu.