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Crise é raio X

23 de março, 2020 - por Max Franco

Crise é igual a raio X. São nos momentos de crise que as pessoas demonstram o que têm por dentro. São nos momentos críticos que conseguimos entender de qual material cada um é feito. Conseguimos nessas ocasiões enxergar o melhor e o pior das pessoas. Quem é corajoso, resiliente e solidário se mostra. Porém, quem é egoísta, mesquinho e covarde também se expõe. É a melhor avaliação de caráter até hoje inventada. É nas provações que descobrimos os heróis e os vilões.

Entretanto, ocorre amiúde um fenômeno, no mínimo, curioso nessas situações. É um problema de perspectiva, talvez de visão. Há muito canalha que se acha virtuoso e muito virtuoso que não se atenta ao bem que faz. Raro, muito raro, é que ocorra o contrário: que ambos se reconheçam. Um canalha pouca vez se sabe canalha. É que todo muito é suspeito ao se julgar. Todo mundo tem conflito de interesses quando se trata de si mesmo. O sujeito condena plural os demais e se salva singularmente. Afinal, eu tenho meus motivos. Deus me entende. Que mau caráter é esse sujeito que faz o mesmo sem os mesmos motivos!

É um problema de vista, porque não temos olhos para dentro. E como os nossos olhos são detalhistas ao escanear as falhas alheias, ao mesmo tempo em que são descuidados ao apreciar as próprias.

Alguém poderia sussurrar: é a autoestima!

Autoestima é o amor mais platônico que existe. Uma amor sem reciprocidade. Um amor iludido sem razões concretas de existir. Canalhas, por exemplo, geralmente são muito confiantes. Procure um canalha e encontrará alguém que bate palmas para tudo o que faz. Canalha é míope de caráter.

Talvez o seja apenas por falta de informação. Igual ao sujeito que erra de endereço. Ele pensava que era ali, mas é acolá. Isso mesmo. É a mesma coisa. Ele se acha altar, mas, na verdade, é sarjeta. Falta-lhe um GPS moral. Falta ao canalha um google maps para a sua alma.

O problema aí é um desconhecimento da língua formal, da gramática das relações, porque esse indivíduo só sabe conjugar o verbo na segunda ou na terceira pessoa. Ele só conhece o tu canalhas e o ele canalha. O eu canalho, ele ignora.

Existe, contudo, além do canalha desavisado, mais dois tipos de canalhas: o canalha assumido e o canalha remissivo. O assumido tem mais chance de fugir da zona de conforto da canalhice mais fácil do que o canalha desavisado. O problema é que ele se diverte muito sendo canalha e, comumente, ele só vai abandonar o vício quando deixar de ser divertido. Quando a conta das suas consequências chegar e chegar pesada. É nessa hora que ele se torna um remissivo. É o alcoólatra que se sabe e entra no A.A.A dos canalhas. A partir daí, ele deve evitar o primeiro gole se não está perdido e volta para sarjeta. Inclusive pode voltar ao primeiro estágio da canalhice, o desaviso.

O que podemos fazer para evitar que esse vírus da canalhice nos contagie e nos adoeça? Há uma receita milenar. Pegue uma colher cheia de reflexão, acrescente dois copos de autoconhecimento e aqueça em fogo brando com uma dose de feedback alheio. Mexa bastante e tome ainda quente. Vai doer, amargar e, talvez, até queimar, mas é o único remédio para o mal que insiste em nos invadir.

Há, também uma vacina que deve ser tomada com frequência. Chama-se humildade.