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As idas e vindas da Vida

05 de agosto, 2023 - por Max Franco

-Faz alguns anos que morri.
De lá para cá, tudo foi mansão dos mortos com pitadas de ressurreição.
Não sei se ocorre com os outros a mesma coisa de se dar por morto e depois, sem mais nem menos, renascer. Mas – comigo – foi deste jeito.
Quisera esta morte ter sido do dia para a noite, morte morrida de vez, morte peibufo. Mas não foi. Ao contrário, foi morte parcelada, morte doses homeopáticas. Não foi morte abismo, mas morte barranco, rolando entre as pedras, o barro e os espinhos.
Entretanto, tudo soa diferente depois da própria morte. Pois quase tudo que era deixou de ser. E tanta coisa que me era estranha começou a fazer sentido.
Hoje, recém-nascendo, sou estrangeiro neste mundo esquisito. Quase nunca sei ao certo o que deve ser feito, qual a pronúncia das palavras, onde colocar os braços. Um desajuste todo santo dia.
Por isso, sempre causa alguma espécie quando alguém da vida anterior, aquela antes do falecimento, me olha com os olhos de outrora. Me ocorre até dizer “mas de quem mesmo você está falando? Mas aquele morreu. Não está mais aqui.”
Restam apenas algumas lembranças, ou sonhos de passados pretéritos, sombras de momentos idos há séculos. Nem sequer me reconheço a face nestes farrapos de imagens, porque tudo se consumou na fogueira do tempo – quem dera – para todos.
“Você bem que poderia me deixar erigir outras lembranças de mim” – eu pediria. “Se houver algo bom de ser lembrado, guarde este episódio num lugar perto do coração. E se não, por generosidade, me conceda o esquecimento.”
Porque aquele que eu era morreu e morreu sem testamento nem missa de 7o dia. Morreu e foi enterrado. Caput. Requiescat. Hoje, depois de se arrastar para fora da cova, respira, afinal, um sopro genuíno de vida.
Não acredito que alguém consiga realmente evoluir sem carregar algum defunto dentro de si.
A questão é que nunca morre apenas o que merecia morrer. Morre sempre algo mais.
Mas morrer é da vida.
E, por fortuna, acaso, contingência ou, ao menos, aleatoriedade, enquanto há vida, há vida depois da morte, porque tudo, absolutamente tudo, se transforma.
Depois da morte, ou das mortes, eu mesmo me transformei. Vejo – então – o mundo com outros olhos, embora os meus sejam os mesmos; caminho pelas calçadas com outros pés, e com os antigos pés; faço minhas coisas com outra cabeça, com outras mãos, não obstante são as mesmas. Porque morrer muda tudo. E ressuscitar, também.
Há tanto ainda, porém, a percorrer, tanto a fazer… Mas, finalmente, depois da inanição, da asfixia, da penumbra de tantos longos anos, vejo vida, ar e luz.
Muita Luz.