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As chuvas

30 de maio, 2020 - por Max Franco

O céu avisava. Só faltou enviar um e-mail com uma portaria. “Vai chover!”

Mas, não chove em Fortaleza às 18 horas. Chuva nesse período, quando ocorre, e mal ocorre, tem hora marcada, é na madrugadinha. Ali, quando o sol boceja e começa a se espreguiçar para aquecer seu dia. 6 da tarde não é hora de chuva. E a cachorra precisa ir ao banheiro. Ela já sabe a hora e fica ali à porta balançando o rabo com aquele olhar de cachorra que caiu do caminhão de mudança, mas sem o caminhão e sem a mudança. Então, vamos…

Hoje iremos até o Parque Del Sol. Ali tem um calçada boa de se caminhar. Damos umas voltas e retornamos, ok? Não vai chover agora. Certeza: só chove de madrugada!

Na metade do caminho , a chuva já caía sem economia. Não adiantava mais voltar para evitar o molhado porque já estava ensopado nos primeiros minutos. A cachorra olhou para mim como se dissesse “Não viu que ia chover, Max Roger?!”

– Não me venha com críticas, Vasquinha, que só saí por sua causa!

Continuamos. Pés encharcados nas poças d’água. Motoristas com pontaria incontestável quando o objetivo era nos molhar mais ainda.

Sempre amei a chuva. Sou gente pluviosa. Cearense geralmente é assim. Diz que o dia está bonito quando anuncia a chuva. Ama dormir com a percussão da chuva no telhado. Ama a chuva porque chuva é vida, seja aqui, na cidade, seja nos rincões secos dos interiores.

Quando chovia abundante na época da meninice na Parangaba, a molecada partia para a rua de terra, com a bola debaixo do braço para o futebol de travinha de chinela havaiana, pólo aquático, as disputas pelas bicas mais generosas. A gente voltava para casa com água até na alma. Principalmente na alma.

Quando estudava na Escola Técnica e via que a chuva precipitava, fazia os 8 km até a casa caminhando. Porque chuva é vida. Eu via os olhares interrogativos das gentes das paradas dos ônibus.”É doido”. Era, por chuva…

Hoje, estou aqui, molhado até a 3a geração, cachorra se espanando inutilmente, porque ainda virá mais água. Que essa água lave o vírus do mundo, lave os políticos nodosos, lave os meus pecados. Vai precisar de tsunami, enchente, dilúvio. Bem sei…

Chove, chuva. Chove sem parar… diz a música do Ben Jor.

Chove, chuva. 

E agora? O que faço com a cachorra? Vou ter de dar banho de shampoo Clear quando chegar em casa. Ela vai deitar molhada na cama. É cachorra mimada, dorme aninhada nas minhas pernas e rouba o lençol no meio da noite. A gata, Marie, depois de derrubar todos os controles remotos, copos, celulares, todos os objetos visíveis, dorme na cabeça. Não é mais uma cama, é um pet shop.

Confinado com dois bichos, alguém diria. Bichos, bichos são os animalescos que vejo na tv todos os dias. Gente selvagem, desalmada, desamada, malamada. Essas pessoinhas aqui sabem ser leais e sabem amar. Gente, raramente.

Chove, chuva…