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A parábola do Poço

31 de março, 2020 - por Max Franco

Você está confinado nesses dias covidianos?

Como anda o seu estado emocional?

Meio deprimido? Angustiado? Ansioso?

Se a resposta for sim, pois bem, não assista ao “O poço (netflix)

O suspense (terror?) espanhol O Poço,  dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, é uma metáfora para a vida e para a sociedade atual. O diretor usou uma mão cheia de alegorias que trazem referências religiosas, ideológicas e políticas para impactar e causar reflexões no espectadores.

-Você acredita em deus? – Goreng

-Nesse mês, sim! – Sr. Trimagasi.

“O poço” faz uso de storytelling porque conta uma história com um apelo moral. Entretanto, não é uma daquelas fábulas que expressa uma lição de moral clara, afinal, a conclusão fluida e aberta do enredo não deixa de forma clara alguma interpretação.  O poço, portanto, cabe bem naquela prateleira de filmes que se tornam mais complexos à medida que refletimos sobre ele.

O Poço conta a história de Goreng (Ivan Massagué), um sujeito que desperta em uma prisão vertical. Em cada andar, há dois ocupantes que, apenas por dois minutos por dia, têm acesso a uma mesa que traz as suas refeições. Aqueles que estão no primeiro andar têm direito a um belo banquete, o qual vai diminuindo na medida em que a mesa desce, de modo que os de baixo comem o resto do que os de cima deixam. Uma crítica ao turbocapitalismo em que vive boa parte da população mundial? Claro.

A mudança nunca espontânea!Goreng

Há um fato, porém, que altera toda a narrativa capitalista. É que os presos trocam de andar a cada mês. Alguém que está em uma posição alta hoje,  pode descer para uma mais baixa depois. O que descobrimos (spoiler) é que à medida em que as pessoas descem, mais violentas se tornam, podendo, inclusive, apelar para o canibalismo.

A educação vem primeiro. Convencer antes de vencer! – O sábio. 

O filme, entre tantas reflexões, serve como um elogio à Educação. O único sujeito que consegue desafias os ditames, as tradições, os vícios do poço é aquele com o livro.

Goreng, afinal, é o sujeito que escolhe levar um livro para o poço. Algo que é digno de nota. E, entre tantos livros, ele leva logo o maior clássico da literatura espanhola, “Dom Quixote, de Cervantes. Ele mesmo é uma figura quixotesca, romântico, sonhador, heroico. Obviamente, para todo Quixote, há um Sancho Pança, realista, objetivo, pragmático. Entretanto, diferente do grande romance, não é Quixote que recruta Sancho Pança para as suas aventuras alucinadas.

Mas, Goreng é Quixote ou messias?

A mensagem não precisa de mensageiro! – Sr. Trimagasi.

A crítica não se resume apenas ao capitalismo. Também sobra o mesmo quinhão para o comunismo. Para o diretor, por sinal, ambas as práticas não dão resultado eficaz. Bem que eles tentam ordenar e organizar a fim de prover alguma equidade para todos os membros do poço. Mas, as pessoas ou não entendem ou não aceitam. Quem está acima jamais se compadece com quem está debaixo, mesmo que já tenha ficado na mesma condição antes. Esse processo, portanto, precisa ser ditatorial e, por isso, acaba também não funciona.

O que funcionaria, então, para ensinar as pessoas a pensarem nas necessidades das demais?

Seria a religião?

O sábio diz “Precisamos de um símbolo! Precisamos enviar uma mensagem!”

São as narrativas – sempre elas. A humanidade sempre segue os símbolos. Amamos hinos, bandeiras, cores, heróis, mártires, bíblias e alcorões e mensagens. Nada nos convence tanto quanto mensagens.

Quantos níveis tem?  Goreng.
– Duzentos. – Imoguiri.
Duzentos? Não tem comida o bastante para 200 níveis.  Goreng.
– Se todos comessem só o necessário, chegaria aos níveis inferiores. – Imoguiri.
Não é tão fácil aqui dentro.  Goreng.
– Não é, mesmo. Nem lá fora. – Imoguiri.

E o final de “O poço”, o que significa?

Bom… Eu tenho lá minhas suspeitas, mas prefiro que você elabore sozinho o seu final, ou, melhor, discuta com alguém. Há certos filmes que sempre ficam melhor depois de uma boa discussão.