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A filha, o pai e o pai do pai

11 de setembro, 2018 - por Max Franco

– Pai, como eu faço pra não ir para a praia nesse fim‑de‑semana? – perguntou ela, adolescentemente, no alto dos seus 13 anos.
– Como assim, filha? – retruquei fingindo a surpresa que não tinha. – Você não quer ir? O hotel é ótimo…
– Ah, pai… Estou morta de cansada. Queria ficar em casa.
– Mas, você tem que ir, filha!
– Por que, pai?! – indagou desafiadora.
– Por quê?! Ah, sei lá… – iniciei tateando por uma resposta aceitável. – Por causa do meu pai.
– O que tem uma coisa com a outra?
– Você deve ir, filha, porque o tempo não se repete. Porque o tempo tem exatamente o tamanho do tempo. Porque, por exemplo, nessa noite, eu sonhei com seu avô. Foi estranho porque ele se apresentou, no sonho, forte, robusto. Mais forte e robusto do que ele era em vida. Ele veio e me abraçou. Um abraço longo, apertado, urgente. E sabe o que foi engraçado? Não sei como, mas eu sabia que estava sonhando, mas, mesmo assim, continuei abraçando cada vez mais forte. Não sei se você vai acreditar. Mas, este sonho tinha cheiro e era o cheiro dele.
– O que tem isso a ver com a viagem, pai?
– Tudo. Entenda: há coisas na vida que não se recriam, que não se simulam. Você nunca perdeu nada de importante, nem ninguém. Seu avô morreu quando você tinha seis meses. Você não sabe o que é perda, e o que fica no lugar da pessoa que se perde. Sei que é difícil de se definir. É como se explicar as cores para um cego ou música para um surdo. Impossível de se mostrar com palavras. Mas, não há muito depois a se fazer do que se aprender a conviver com aquela dolorosa e contínua presença da falta.
Não sabia se ela estava compreendendo o que eu estava falando. Na verdade, nem eu mesmo sabia, ao certo, exatamente o que desejava dizer. Porém, ela não estava reagindo mal, nem sequer havia apelado para o onipresente fone de ouvidos, por isso continuei com o argumento.
– Sabe, filha, o vasco estava jogando naquela tarde de agosto. Eu me lembro. Faz treze anos. Campeonato brasileiro: Vasco e cruzeiro. Eu estava em casa pronto para ir para o hospital, mas preferi ficar mais um pouco. Queria chegar ao hospital com a notícia da vitória do nosso time. Não funcionou. Porque nem o vasco ganhou nem meu pai estava mais vivo para saber do resultado. O velho estava coberto por um famigerado lençol branco dos pés à cabeça quando entrei no  quarto do hospital. O vasco perdeu o jogo e eu perdi a morte do meu pai, além do próprio. É por isso que não quero que você perca esse fim-de-semana. Porque há momentos imperdíveis e pessoas insubstituíveis nessa coisa inexplicável e confusa que chamamos de vida. Entendeu?
– Entendi, pai. – respondeu ela parecendo resignada. – Mas, posso apenas saber de uma coisa?
– O quê?
– Nesse hotel tem wifi nos quartos?