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A ameixa pretérita

11 de março, 2019 - por Max Franco

Entrei no supermercado com a pressa de sempre. A urgência atendia por nome e sobrenome: pão integral, coisa que odeio, mas que, eventualmente, me obrigo a ingerir. Entretanto, contradizendo Drummond, no meio do caminho não havia uma pedra, o que havia era uma ameixa. Não era daquelas ordinárias ameixas roxas ou vermelhas, nem mesmo aquela escurecida e enrugada, na verdade, era coisa muito especial: era uma brilhante e gloriosa ameixa amarela.
Não pude fazer nada diferente, a minha memória afetiva e gustativa me empurrou para o consumo impulsivo. Comprei duas ameixas gordas e suculentas e as carreguei, sorrateiro e silente, para casa.
Antes de dormir, lavei-as quase religiosamente, com cuidado e delicadeza. Depois, senti-lhes o aroma, num afã preliminar quase sexual, para só roçar-lhes os dentes numa mastigação demorada, focada e cerimoniosa.
Já na primeira mordida, a passagem para o passado se abriu automático. Eu, o rapaz da Parangaba, estava morando na Itália, em uma pequena cidade agrícola da Toscana. No meu quintal cresciam peras, uvas e cerejas. Mas, em certo quintal, havia uma (única) ameixeira. Precisava alterar meu caminho, mas, uma ou outra vez, valia a pena, porque ocorria de encontrar – majestosa – uma bela ameixa amarela.
Eu e meus cúmplices as surrupiávamos sem remorsos e as comíamos na primeira esquina, o sumo doce pingando nas roupas de frio surradas.
Não sei se lhe ocorre o mesmo, mas, a mim, é coisa corriqueira, a de fazer uma excursão ao passado a fim de fazer uma visitinha ao sujeito que era e ainda não sou mais. Esses passeios, a rigor, trazem todo naipe de emoção, das doces e suculentas às mais azedas e nauseantes.
O passado tem disso, e tem daquilo.
O passado é uma viagem que oferece todo tipo de paisagem.
Dói – e como dói – quando nos deparamos com as angústias à espreita.
Mas o que é aprender senão reconhecer o caminho mal trilhado? Como evitaríamos os piores atalhos?
Quisera poder garimpar apenas as ameixas douradas.
Mas a vida não é uma árvore doce.
A vida é uma árvore frondosa de amarguras, com uma ou outra ameixa amarela.
Por isso, quando encontro uma, mastigo-a com a maior preguiça. do mundo