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Desajustes

07 de março, 2022 - por Max Franco

Hoje dei para cevar cismas vãs, tão desnecessárias quanto uma cisma vã pode ser.
Hoje dei para dar conta dos meus afetos e desafetos.
Não foi conta ao pé da letra. Não caí em contabilidades. Mas quando me dei conta de que tenho mais anos pretéritos do que terei no futuro, me permiti calcular o incalculável.
É que a Vida é diferente da gramática. A vida não permite futuro do pretérito. Bem que me valeria. Mas não há “se”. O “se” é o ponderável doloroso. O “se” é apenas a ponta do prego enfiado nas suas carnes.
Hoje dei para dar conta de quem amo e desamo, conheço e desconheci, sabia e ignorei.
Também dei para pensar naqueles que me amaram ou desamaram, conheceram e desconheceram, sabiam e, hoje, já faz tempo, ignoram.
Porém, mais, naqueles que me desafetam.
Alguns – bem sei – desamam por causas causais. Dei os motivos para tal. E sinto muito por tais episódios. Se lhes serve para alguma coisa (talvez não), o homem que sou hoje agiria diferente. Ou tentaria fazê-lo. Não que não mais erre. Sou criatura errante já faz tempo. Erro e erro. Mas tento, ao menos, errar diferente.
Alguns, entretanto, me desamam sem motivo. Talvez por impressão equivocada. Talvez por mal jeito. Talvez por falta de tino (meu), por erro na mão, nos braços, no todo. Sobre estes, amaria ter a chance de provar que foto não é filme e nem filme é Vida. Vida dura muito mais. E que já não erro mais o que errava. Erro diferente.
Outros me desamam por motivo algum. Desamam porque decidiram desamar. Porque deu de desamar e desamam a valer.
Sobre este desamor gratuito, eu pagaria para desfazer esse contrato.
Gostaria de dizer que não me importa nadinha que existam desafetos. Mas não é verdade. Vivemos uma vez sobre sobre essa terra. Melhor seria viver com amor para todos os lados que olhamos.  E se não houver amor servido à mesa, que haja – ao menos – respeito.
Entretanto, não há desamor mais doloroso do que o do amor desfeito. O desamor que foi outrora amor. Amizade, decerto, é amor. Desamizade, então, é desamor.
Hoje me dou conta de que o pior negócio que podemos fazer na vida é trocar uma amizade por uma desamizade, ou uma amor por um desamor. Porque todo desajuste é prejuízo.
Estou seguro de que todos estes percalços ocorrem porque todos os envolvidos erram. São equívocos cozinhados, muita vez, em fogo brando, anos a fio. Anos de pequenas incompreensões, de atos de covardia, de silêncios convenientes, e de muita, muita, arrogância.
O maior defeito da alma humana é a arrogância.
Somos ignorantes porque não temos a humildade de nos aceitar limitados e dessabedores de tanta coisa da vida.
Somos arrogantes por desumildade.
Hoje me dou conta de tudo que fui e, principalmente, deixei de ser.
Parece tolo dizer e não serve, talvez, para nada. Mas eu sinto muito, muitíssimo.
Hoje sei pouco e sinto muito.
E não sou de rezar, mas hoje, hoje, me dei conta de recitar uma prece para aqueles que me desamam.