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O susto

07 de novembro, 2021 - por Max Franco

 “As boas intenções têm sido a ruína do mundo. As únicas pessoas que realizaram qualquer coisa foram as que não tiveram intenção alguma.” (Oscar Wilde)

 

Vez por outra me flagro mastigando cismas sobre a convivência entre os seres humanos, entretanto posso confessar que ainda cheguei a nenhum tipo de conclusão que valha a pena postular em praça pública. Na verdade, não sei se tinha mesmo intenção de resultado. A gente pensa porque pensa – apenas isso.

Conviver é especialmente difícil porque o ser humano é realmente o troço mais ambíguo que existe. E, ainda, talvez para piorar, chegamos recentemente aos 7 bilhões de habitantes nesse planetinha já não tão azul quanto outrora. Quer dizer: um recurso natural praticamente inesgotável.

Todavia, desconfio de que o centro nevrálgico do problema habite exatamente na questão da expectativa. Isso mesmo: expectativa. Esperar é um dos nossos piores hábitos. E gente, por incrível que pareça, é raça paciente. Passa a vida esperando alguma coisa. Esperamos que os pais sejam mais permissivos. Esperamos que os irmãos nos concedam o uso irrestrito do computador ou do controle remoto.  Esperamos que as pessoas encontrem todo o tipo de motivo para gostarem de nós e que nunca-nunca-nunca levantem a improvável hipótese de nos rejeitarem.   Esperamos os objetos do nosso afeto nos amem incondicional e completamente e arrebatadoramente. Esperamos o beijo, o sorriso, o saldo, o soldo, o salário, o sucesso. Esperamos a educação das pessoas e a atitude correta. Esperamos justiça para os injustiçados e até (imagine!) punições adequadas para os corruptos. Esperamos a decência nas relações e ainda a sinceridade. Esperamos seres humanos honestos, idôneos e retos. Esperamos qualidade nos produtos e preços justos pelos mesmos. Esperamos viver com dignidade e uma morte serena quando chegar a hora derradeira. Esperamos também que tudo não se acabe com a morte e que depois sejamos pacificamente premiados com uma permanência num resort eterno onde jorre leite e mel ou mesmo onde nos esperem setentas virgens ávidas de diversão (Desculpe o pleonasmo, porque, geralmente é assim toda virgem!).

Gente é raça que espera.

E esse é o problema.

Esperamos errado.

Na verdade, adoraria esperar apenas de mim. Adoraria esperar ter o melhor de mim, já que esperar do mundo é requerimento de frustração.

Lograr não tem mesmo nada a ver com esperar.

Foi o que aprendi sob a batuta da vida. Que as vitórias se achegam por mérito ou pelo acaso. E que sucesso – em qualquer coisa – ocorre só com a intercessão dos dois. Isto é: um susto! O sucesso é sempre o maior dos sustos. Pode-se lutar uma vida inteira e não se obter sucesso em diversas das suas empreitadas. É triste, mas uma triste conclusão. Há sempre os acometidos de incompetência crônica. E há também o azar que, de fato, existe. Mas não dá para se valer da sorte. Resta-nos, portanto, a luta. A luta diária. A suada, dedicada, devotada, sôfrega, luta nossa de cada dia. Aquilo que – por fim – empresta algum remoto sentido à vida: a luta.

E relacionar-se adequadamente com os demais é mesmo uma luta titânica.

Porque nada nesse mundo é tão imprevisível e complicado do que gente.

Porque, inclusive, quanto mais gente alguém é – ao mesmo tempo e na mesma medida – mais complexo também ele é. (Pessoas extraordinárias têm repertório vasto. Confira!)

Porque ninguém é simples. Simples são os bichos, as plantas, os minérios, as amebas e os protozoários. Gente não nasceu para ser simples. Gente – por sinal – não nasceu para nada. Gente nasce porque nasce e se torna o maior fornecedor que existe no mundo de tristezas ou de alegrias. E, tantas vezes, de ambos.