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Queda pela janela

10 de junho, 2022 - por Max Franco

Para o francês Roland Barthes, a linguagem nunca é inocente.

A verdade é que Barthes, profundo estudioso do discurso, toda linguagem é uma tentativa de manipulação. 

O português Saramago, por sua vez, denunciava que toda tentativa de convencimento seria uma tentativa de colonização, uma invasão sobre a consciência alheia.

Já o cearense Belchior, igualmente gênio, cantava “Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decido a minha vida
Não preciso que me digam, de que lado nasce o sol
Porque bate lá o meu coração”

Em outras palavras: não me venha dizer qualquer m# porque não sou idiota e fique na sua!

Por que falamos o que falamos afinal? E, além do “porquê”, importa mesmo o “para quê”!

Tratando do poder do discurso, o jornalista Reinaldo Azevedo no seu brilhante programa de rádio (09.06.2022) trouxe à baila um argumento que, sei lá por qual motivo, eu ignorava: a tal Janela de Overton. 

Fui consultar a fim de entender melhor o conceito e descobri que a janela de Overton é também conhecida como janela do discurso e traz uma discussão sobre o rol de ideias toleradas no discurso público. A expressão foi criada por Joseph P. Overton, ex-vice-presidente do Centro de Políticas Públicas de Mackinac (USA), e declara que a aceitação de uma ideia dependeria, a rigor, de esta “cair” dentro da janela, em vez das reais preferências dos políticos. De acordo com Overton, a janela aceita uma gama de políticas politicamente viáveis para a opinião pública, as quais um político poderia sugerir sem ser considerado demasiado extremo, com o único intuito de obter vantagens, ganhar ou manter cargos públicos. Dessa forma, se uma figura pública espera ser palatável publicamente, suas opiniões devem variar apenas dentro dessa janela. Extrapolá-la, portanto, pode gerar rejeição.

 

O problema com a tal Janela começa quando determinado políticos ou “formadores de opinião” (seja lá o que isso venha a significar) se dispõem, voluntariamente, a mover a janela para algum lado fazendo uso de afirmativas e/ou postulações extremas e/ou absurdas, as quais, de tão repetidas, podem se acabar sendo naturalizadas e, por isso, aceitáveis para o público.

É, então, uma estratégia de persuasão, e uso de storytelling, com o objetivo de criar narrativas que mobilizem determinado nicho da sociedade. 

Podemos, portanto, de tanto escutar, por exemplo, que a sociedade civil precisa se armar, acabar considerando normal que todos andem armados na rua. O absurdo, desta forma, deixa de ser absurdo e vira ordinário. 

Como sabemos e nos confrontamos, todos os dias, o atual governo é pródigo em “mover a janela” quando propõe todo o tipo de aviltamento ao tecido social e esse fenômeno, decerto, não é por acaso, é uma tentativa diária de manipulação, dando razão aos citados Barthes, Saramago e, claro, ao nosso Belchior. 

É fundamental que saibamos dessas artimanhas e, principalmente, saibamos nos mobilizar socialmente para nos defendermos delas.

Nestes e em outros casos, vale citar mais uma vez o compositor cearense e dizer para todos ouvirem:  

No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais!