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Como suceder Succession?

04 de junho, 2023 - por Max Franco

Quando termina o mês e vou conferir os meus gastos no cartão, costumo questionar se devo cancelar ou não alguns dos meus serviços de streaming. A Netflix, por exemplo, tem caminhado celeramente para esse abismo. Entretanto, a HBO MAX sempre aparece como uma daquelas opções indubitábeis. E o motivo para essa lealdade é simples, a HBO nos presenteou algumas das melhores séries às quais já assisti: Roma, Band of brothers, Game of thrones, Chernobyl e, recentemente, a irrevogável Succession, a série recém-finalizada da HBO.

Succession pode, com facilidade, ser comparada a um jogo de xadrez no mundo empresarial, mas um jogo sem quaisquer regras. Os personagens, por sinal, parecem ter lido (e entendido) Maquiavel. Mas só parecem, porque, depois, observamos que não leram quase nada. Inacreditável que gente tão abastada e privilegiada possa ser tão ignorante. Não sabem, na verdade, o preço de um pacote de leite. Porém, apelam para todo tipo de estratagema, mentira, enganação, humilhação, coerção, abuso e muito cinismo para tentarem alcançar o que tanto desejam. Esse é o conceito de um personagem, por sinal: é aquele que, dentro da história, quer algo; e alguns querem mais ainda, de forma que fariam qualquer coisa para ter nas mãos o objeto do seu desejo.

Em Succession, quase dá para acreditar que grana realmente não traz a felicidade, porque, por incrível que pareça, esse “objeto” não nunca é dinheiro, mas poder. No caso, o poder do pai, Logan Roy, o patriarca, fundador, dono do bilionário conglomerado de mídia e entretenimento Waystar Royco. É bom nos lembrarmos de que, nessa história, não há pobres sob os holofotes, então grana é (quase) dispensável, apenas pelo singelo motivo de que todos já a tem.

A jornada dos personagens é repleta de traições, alianças estratégicas e batalhas psicológicas, trazendo à mente obras clássicas como “Rei Lear” e “Macbeth” de Shakespeare. Como Maquiavel nunca disse textualmente, mas a sua obra (O príncipe) denota, em Succession,”Os fins justificam os meios”. Os personagens estão dispostos a tudo para conquistar o trono empresarial, manipulando uns aos outros com frieza calculada e estratégias astutas. Assim como em “Rei Lear”, o patriarca da família Roy é desafiado por seus próprios filhos, que desejam assumir o controle do império midiático. A trama é uma verdadeira tragédia moderna, na qual a ganância e a ambição corroem os laços familiares.

Nietzsche, por sua vez, afirmou que “quem luta com monstros deve cuidar para que não se torne também um monstro”. Essa citação ressoa fortemente em Succession, onde o protagonista, Logan Roy, representa o arquétipo do vilão ou, muitas vezes, de um anti-herói empático. Sim, vilões e anti-heróis podem ser empáticos. Se você conferiu Breaking Bad, Coringa, Loki ou House of cards, sabe do que estou falando. Logan é um homem cruel, insensível e disposto a pisar em qualquer um para manter o controle, no entanto, ao longo da série, somos levados a entender as feridas emocionais que o moldaram e a complexidade de sua personalidade. O velho tem também suas virtudes e um estilo peculiar de mexer as peças para superar seus obstáculos. É um sujeito repleto de traumas que não poupou seus filhos das próprias mazelas. O resultado, portanto, não poderia ter sido diferente: uma tragédia.

A série também pode ser comparada a Game of Thrones, uma ficção recheada de conspirações, intrigas e traições. No entanto, Succession se destaca pela sua abordagem realista e focada nas relações humanas no mundo dos negócios. Enquanto Game of Thrones nos levava a um universo fantástico, Succession nos mostra um retrato cru do poder sem escrúpulos e de suas consequências.

Em meio a todas as metáforas e referências atuais às influências da mídia na política e nos comportamentos sociais, é inegável o valor de uma história bem contada. É uma vitória do storytelling. Succession nos envolve com personagens complexos e uma trama que nos mantém ansiosos pelo próximo lance. A série segue a jornada do herói de Campbell, onde os personagens enfrentam desafios, superam obstáculos e se transformam ao longo da narrativa. Não conseguimos, porém, garimpar muita virtude nesses personagens, mas traços complexos. Não há heróis, mas os arquétipos junguianos permeiam o enredo. A verdade é que Succession mergulha nas profundezas do subconsciente humano, explorando os traumas e feridas emocionais que moldam a psique dos personagens. O enredo é um prato cheio para os psicanalistas. Freud, por sua vez, seria fan número 1.

– Vocês não são pessoas sérias! – disse certa vez Logan Roy para seus filhos. Essa é a conclusão à qual facilmente chegamos no capítulo final de Succession: essa gente não é séria! A verdade é que são crianças crescidas, mimadas, estragadas pelos excessos, que lutam com todas as forças para alcançar o que querem, mas também para evitar que os outros alcalcem o que querem. É uma sopa condimentada de muito ressentimento infantil, inveja, ciúmes, birra, narcicismo e uma dose cavalar de efeito Dunning-Krugger.

Succession é uma obra-prima televisiva que mescla a astúcia de Maquiavel, as tragédias shakespearianas, o pensamento de Nietzsche e a estrutura da jornada do herói. É uma série que nos desafia a refletir sobre o poder, a ambição e os traumas que moldam a sociedade contemporânea. Acima de tudo, nos lembra do valor de uma história bem contada, capaz de nos envolver, emocionar e nos fazer refletir sobre os aspectos mais sombrios e complexos da natureza humana.

Ps.: Quanto à Netflix, ela que lute!