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As tais habilidades socioemocionais e o bulliyng

28 de outubro, 2019 - por Max Franco

Haroldo era mesmo um garoto gordinho. Mas o problema não era apenas esse. O problema era ser lembrado disso o tempo todo aonde quer que fosse.

Na escola, ninguém mais pronunciava seu nome fazia anos. “Gordo merece apelido”, era o que diziam os amigos. Os amigos não. Os colegas de classe. “Gordo não tem amigos”, completavam.

Não era “Haroldo”, era “HaGordo” o tempo todo. O tempo todo não, porque também existiam os clássicos “Baleia”, Moby Dick”, “Urso Panda”, mas o que mais doía era quando ele ia jogar bola e gritavam “Fenômeno” no meio da partida.

Haroldo sofria calado. Ele tinha até um sorriso ensaiado para esses momentos de humilhação. O garoto não queria mostrar chateação. Não queria perder os amigos. Mas quais amigos, afinal?

A família do menino, entretanto, não estava entendendo o que se passava com seu primogênito. Haroldo trancava-se no quarto por horas, falava pouco e havia perdido o sorriso de criança. “Haroldo só abre a boca para comer!”, queixava-se a mãe.

E como comia.

Certo dia, porém, algo inesperado acontece. É assim com a Vida. A Vida tem lá das suas novidades.

Era um dia comum, desses que ninguém dá valor. Um dia ordinário. Mais um dia de humilhação para o nosso protagonista. Haroldo estava no recreio e, como gostava de bola, jogava bola na quadra central da escola. A bola lhe caiu nos pés em condição perfeita. Aquela condição que virou metáfora, “quicando na frente do gol!”. Haroldo morde os beiços e mira na bola como mirasse esfomeado a coxinha suculenta da cantina. Mas, bola não é coxinha, é? Não. Bola tem caprichos.

Haroldo prepara o chute com uma potência nuclear. “A bola vai perfurar a rede! Claro que vai! “, imagina o garoto. Mas, imaginação muita vez só imagina a ação. E o que acontece é que a bola quica mais que que o esperado e o chute colossal de Haroldo acerta o vento. O pior, então, acontece: Haroldo chuta o nada, gira e cai estrondosa e espalhafatosamente na quadra. Os colegas, por sua vez, se deliciam com a cena, riem, uivam, rolam no chão. Não demora para que os coros partam de todos os cantos: Hagordo! Fenômeno! Hagordo! Fenômeno!

Haroldo até tenta abrir o seu velho sorriso, seu sorriso-bengala, sorriso postiço. Porém o que aflora é lágrima. Lágrimas. Lágrimas aos borbotões. Lágrimas que regam ainda mais risos e ridicularizações. Não restava nada ao garoto a não ser sair da quadra. “Fugir. Fugir quem sabe da vida!”, pensava.

Muitos acompanharam a cena do recreio. E, entre eles, também o professor de Língua Portuguesa da sala de Haroldo. Alexandre, entretanto, não tinha sorrisos, mas preocupação. Partiu para consolar o menino, mas não o achou em lugar nenhum. Por sorte, a próxima aula era justamente a sua, e ele sabia o que faria.

O professor Alexandre não era o tipo de sujeito que assistiria àquela cena constrangedora sem fazer nada. Por isso, ele esperou o menino voltar do lado de fora da sala de aula. Haroldo tinha todo o layout do desconsolo. Mesmo com as marcas do choro convulsivo estampadas no rosto,  o garoto demonstrou surpresa ao encontrar o professor no corredor.

– Não vou encher o seu saco, Haroldo. Mas me responde só uma coisa: o que você sabe fazer muito bem? Mas muito bem mesmo.

O menino ficou assustado com a pergunta, porém nem titubeou:

– Eu canto. Eu sei cantar.

– Pois confie em mim. – disse Alexandre com um sorriso cúmplice.

Alexandre entrou na sala convidando os alunos para irem para o teatro da escola. “Vamos fazer algo diferente, galera! Vamos fazer um concurso de talentos. Quem quer começar a cantar?”

Os alunos adoraram a ideia e cada um, por vez, ocupou o palco executando as suas canções. Alguns não fizeram muito feio, mas outros pareciam dedicados a metodicamente destruir a música escolhida. Obviamente, os colegas não deixavam barato quando essas “destruições” ocorriam.

Por fim, Alexandre chamou o nome do Haroldo e, logo, começaram os risos. O professor, entretanto, fuzilou a sala com um olhar demorado e todos se calaram.

Haroldo subiu ao palco com uma segurança nunca antes demonstrada. Ele colocou a música escolhida, nada menos que a fulgurante “NESSUN DORMA” da Ópera Turandot, e deixou a todos boquiabertos com a sua interpretação que não poderia ser chamada de outra coisa senão de apoteótica. Ao final, todos estavam de pé batendo palmas e gritando seu nome (seu verdadeiro nome!) efusivamente.

O professor Alexandre percebeu a situação perfeita para fazer uma pergunta ao garoto:

– Haroldo, estamos sem palavras para conceituar o que você fez aqui. Foi bárbaro! Mas, me diga uma coisa, quando seus amigos cantaram, alguns arruinaram várias belas músicas. Porém você ficou calado. Você não ridicularizou ninguém? Por quê?

Haroldo respirou fundo e respondeu com os olhos úmidos:

– Porque ninguém mais sabe aqui quanto dói a humilhação do que eu! Eu jamais humilharia meus amigos!

O silêncio que se fez depois disso durou horas.

Contudo, depois desse dia, Haroldo nunca mais sofreu bulliyng dos seus colegas. Ele continuou gordinho, mas ainda joga bola no recreio e, às vezes, os seus amigos insistem para que ele cante algo para animar o dia.