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A “missão” do professor

11 de maio, 2017 - por Max Franco

Há quem diga que ser professor é uma missão.

Acho que precisamos conversar um pouco sobre a diferença entre profissão e missão.

No meu caso, a descoberta do meu apreço pela carreira docente começou muito cedo. Estava concorrendo para uma difícil vaga na Escola Técnica Federal do Ceará. Tinha 14 anos mal completados e certa antipatia inata por números, mas sabia que se não os domasse, dificilmente, teria condições de ser classificado entre tantos candidatos. Portanto, eu estudava todos os dias até tarde, varando a madrugada, movido a litros de café. Foi acidental, mas me dei conta de que aprendia mais quando eu explicava para “alguém” o que estava estudando. Então, criei os meus alunos de imaginação e dava aulas para eles noites a fio.   O simpático era que os meus “alunos” ficavam justamente na minha prateleira de livros. Desde cedo, mesmo inconscientemente, a simbiose se fez presente. Qual? O mais contínuo e profícuo processo entre aluno e professor. O aluno que aprende também ensina. O educador que ensina  também aprende com o aprendiz.

Não teve outro jeito, não demorou muito, aos 18 anos, já estava trabalhando em escola. Havia descoberto que só me sentia realmente bem e realizado quando estava educando, quando alguém aprendia algo com a minha mediação, quando era o que um educador deve sempre ser: um guia.

Educador vem do latim, duc. Em outras palavras, o duto, a condução. Todo professor, por definição, é um cicerone. É aquele que mostra caminhos, abre estradas e indica a direção. Este mentor, então, nunca deveria se deter apenas no campo do conhecimento formal, mas, principalmente, na promoção de valores humanos e universais. Este é o educador que fica na nossa memória: aquele que nos faz enxergar o que não vemos. Eu tinha descoberto o que queria ser. Agora, faltava aprender a sê-lo. Entre o querer ser e o ser, porém, como sabemos, são milhares de quilômetros.

Acredito que é o que fiz em todos esses anos: caminhar. Às vezes, depressa, sem mal perceber a paisagem. Noutras vezes, devagar, degustando cada sabor da jornada. Houve, também, tropeços inesperados, escorregões dolorosos e, por fortuna, enormes saltos para frente. No entanto, não importa o ritmo ou a direção, estou seguro de que tudo me fez um melhor caminhante e, por isso, um educador que hoje está melhor aparelhado e experiente, com um GPS mais apurado para indicar os caminhos. Decerto, há ainda muito para percorrer, muito a aprender nesta viagem e também a ensinar. É justamente esta dinâmica que mais me atrai na vida de educador. Não acredito que exista outro profissional que aprenda tanto quanto aquele que precisa ensinar.

Olho para trás, nesta noite também regada a café, e vejo o jovem deslumbrado que fui. Um sujeito que não apenas queria salvar o mundo, mas que tinha certeza de que iria fazê-lo. Era só uma questão de tempo. Afinal, a arma da mudança eu já detinha: a Educação. Como são bonitos os sonhos juvenis! Hoje, mais maduro, sei que não dá para salvar um mundo que insiste em não ser salvo, mas dá para contribuir um pouco a cada dia para essa salvação. Como? Disseminando conhecimento, um por um.

Vê-se que ainda sou um sonhador. Entretanto, tive que customizar meus sonhos.

Há uma frase de Heráclito da qual me lembro quase todos os dias: “Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, porque, na segunda vez, não são as mesmas águas, nem é o mesmo homem.”

Por que citei agora esta frase emblemática?

Porque também acho que não é o mesmo rio depois do homem! O homem sempre modifica o rio. Ele sempre deixa algo de si nas águas que seguem.

A rigor, acredito que este é o papel fundamental do educador: deixar algum legado para aqueles que passam, mas não acho que isto é, por princípio, uma missão. Quem deflagra missões são missionários. Nós, educadores, não somos missionários, nem monges, nem devotos abnegados, somos absolutamente profissionais.

Este conceito de professor autossacrificado, “não me sequestrem, sou professor!”, “Tenham pena do professor que é explorado e sofrido e miserável”, é patrocinado pelo mesmo sistema que não deseja o educador valorizado. Não há o mesmo discurso quando se fala de advogados ou dentistas. Por que nós somos os missionários e mais ninguém é? As outras categorias estão realmente tão bem assim?

O fato é que precisamos conversar sobre autoestima, amigos!

Precisamos parar de uma vez com coitadismos e com este papo de “tenham pena de nós”!

Não esperem que a sociedade vá nos valorizar por compaixão.

A atitude mais inteligente que precisamos ter, e com urgência, é a de nos especializarmos. Não há nada comum e ordinário que seja valorizado. Só o que é raro e especial tem valor. E sabem o que é mais raro hoje na sociedade? Profissionais diferenciados! Profissionais preparados que tem uma entrega competente, pontual e fora do comum. Urge deixarmos de ser carne de vaca e nos tornarmos gourmet. Urge deixarmos de ser liquidação e nos tornarmos peça requisitada. Urge deixarmos de ser loja de departamentos e nos tornarmos alfaiataria, alta costura.

Sabem quando isso vai ocorrer? Quando estudarmos muito e apresentarmos, realmente, excelência naquilo que fazemos. Nós precisamos urgentemente nos qualificar!

Depois (ou durante), há um outro procedimento: precisamos, de uma vez por todas, nos organizar como classe e exigir os nossos direitos. Afinal, sabemos que só quem ganha dinheiro nesta indústria de massa da educação é o proprietário de escolas e faculdades. E são eles que estão patrocinando esta ideologia do missionário. E, pior, nós estamos, há anos, engolindo e repetindo estas baboseiras.

Pois eu lhes digo, meus amigos: eu não sou missionário coisa alguma. Também não sou mercenário. Apenas, exerço um ofício e desejo ser remunerado de forma justa por ele.

Sou o que sempre fui: um educador. Não sou o melhor, nem o pior. Os predicados deste sujeito simples chamado Max Roger Franco Pompílio acolhem um repertório variado de adjetivos. Entretanto, sei dos meus valores e da minha vontade de fazer a diferença através meu trabalho. Espero tão somente uma chance de poder construir esta nova estrada. Uma estrada que eu desejo profundamente que seja a mais bonita de todas que trilhei na minha vida. Uma estrada onde muitos possam caminhar juntos, aprendendo, ensinando e sendo felizes.

Afinal, como ressaltei, educadores são guias.

É o que espero sempre ser: um condutor para um lugar onde as pessoas possam ser melhores e mais felizes. Esta é a minha profissão, e não missão.