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Vida não é clichê

03 de julho, 2022 - por Max Franco

Desde muito cedo, não sou afeito a clichês.
afinal, clichê é aquele lugar-comum que, de tão repetido, perde a força e o sentido. Clichê é troço impensado, porque está sempre ali, à espreita, na esquina da vida só esperando a primeira oportunidade para dar as caras (dar as caras também me parece uma expressão clichê).
Eu não considero, por exemplo, que o mundo seja pequeno. Nem sequer o Planeta Terra é pequeno. Imagina o mundo. Já se deram conta do tamanho do seu estado? Alguns países não têm essas medidas. E o Brasil? O Brasil, por acaso, é pequeno? “O mundo é pequeno!”: só diz isso quem não andou por aí nesse mundão.
Outro clichê tacanho é o tal “pensar fora da caixa”, o qual virou sinônimo de ser criativo. Mas é muito melhor dizer “seja criativo” do que “Pense fora da caixa”. Nada pode ser tão dentro da caixa quanto dizer para pensar fora da caixa. A verdade é que a maioria nem pensa. Imagina fora da caixa! Pensar já seria um ganho enorme. E quem, diabos, está dentro da caixa pensando? E pensando o quê? Por isso, aconselho: em vez de pensar fora caixa, basta pensar. Já é uma evolução extraordinária.
– A esperança é a última que morre: pode até ser, mas você pode ser o primeiro!
– Ele é meu “amigo pessoal”: e qual é o amigo que não é pessoal?
– Encarar de frente: conhece outro jeito de encarar?
– Fechar com chave de ouro: se a chave for de ouro fica melhor fechado?
– Deus escreve certo com linhas tortas: Deus tem Parkinson?
– A mentira tem perna curta: pode até ser, mas tem condições de pegar uma bicicleta, uma moto, um ônibus, um trem, ou, quem sabe, até um avião.
– A ocasião faz o ladrão: faz. Claro que faz. Mas o ladrão também faz a ocasião.
– Uma mão lava a outra: nem sempre.
– A união faz a força: e o açúcar.
– A pressa é inimiga da perfeição: a lerdeza também não ajuda muito.
– Antes tarde do que nunca: ou antes à tarde do que nunca. E há coisa que antes nunca do que a qualquer hora.
– Aqui se faz, aqui se paga: De jeito algum. Muita vez se paga pouco ou deixa dívida. Há muita gente, inclusive, que parcela a conta e morre inadimplente.
– Cachorro que late não morde: morde.
– Depois da tempestade, vem a bonança: não obrigatoriamente. Muitas vezes, vem outra tempestade ainda pior ou um terremoto. Veja só o Brasil: depois da tempestade do Temer, vieram todas as pragas do Egito de uma só vez.
– Gato escaldado tem medo de água fria: quem escaldou uma gato, pelo amor? Gato tem medo de qualquer água, não?
– Não adianta chorar pelo leite derramado: lógico que adianta. Se não chorar, vai derramar de novo.
– Os últimos serão os primeiros: a serem últimos. Qual sentido tem isso? Vão ser primeiros no quê? Onde?
– Quem espera sempre alcança: o quê? Esperar acarreta o quê? Quem espera tem muito tempo a perder, só isso. Quem quer, corre atrás e não espera nada, mesmo sabendo que correr atrás também não garante coisa alguma. A verdade é que a única garantia da vida é o fim dela. Mas se você quiser ficar esperando, vou lhe sugerir uma cadeira bem confortável.
– Quem ri por último… : geralmente é o mais burro do grupo.
– Quem tem boca vai à Roma: quantas pessoas com boca você conhece? Quantas foram à Roma?
– Um dia da caça, outro do caçador: mentira. Todo dia é dia do caçador. A questão é quem é esse caçador. Às vezes era a potencial caça.
– Uma andorinha só não faz verão: nenhuma faz, nem um grupo de andorinha. Nem milhões de andorinhas.
– A voz do povo é a voz de Deus: é não. A voz do povo é apenas do povo. Muitas vezes desafinada. Outras, diabólica. Basta nos lembrarmos do que houve em 2018. Se a voz do povo for a de Deus, Deus costuma falar errado, viu?
– A vida é curta: depende da vida. A minha – tenho a impressão – é larga, extensa, plural, diversa e prolixa.
Para dizer a verdade, falar de clichês é o maior dos clichês.