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Dubai, Abu Dhabi e nenhum camelo

09 de maio, 2022 - por Max Franco

Há todo tipo de viajante.
E a viagem é sempre o viajante.
O modelo de viajante no qual me inspiro pede certa entrega, e não só demanda.
Há quem viaje apenas para se deslocar. Eu viajo para experienciar e aprender. Desta forma, espero deixar algo meu por onde passo e que possa levar algo dos lugares. É, qual a foto, uma fusão entre mim e o lugar. Uma média qualquer da soma dos dois deve sempre ficar. Uma química que permanece.
A verdade é que todos somos e estamos. Sou muito do que vivi e também de onde estou. Qual mais? Difícil de encontrar as proporções exatas. Sei que sou e estou. Às vezes estou mais, outras, sou. Noutras, sou o que estou. Somos, portanto, essências e estâncias. É bom saber-se transitório, passageiro como também, certamente, sou também com quem estou, porque todo mundo deixa algo em alguém, mesmo um fragmento. Vale, então, identificar todas as transformações que estes trânsitos provocaram.
Neste ano, por exemplo, fui São Paulo e Ceará, Minas e Rio Grande do Norte, Noronha e Colômbia, e agora sou também Dubai e Abu Dhabi.
Isso, decerto, não me torna melhor do que ninguém, mas ajuda a me tornar melhor do que já fui.
E ser melhor, nem que seja um pouquinho, do que era ontem é já alguma evolução.
É que viajar, ser e estar, aqui e acolá, com os meus e com quem nem sei, tudo isso me faz crescer e, claro, saber.
 
41 países – Emirados Unidos
Dubai e Abu Dhabi não estavam nos meus planos. Islândia e Turquia estavam bem à frente, mas “cavalo dado…”
E foi isso que me ocorreu quando o meu amigo e sócio na iniciativa “Educadores pelo mundo”, Diego Bauck, me convidou para ser um dos tours Guides do seu grupo anual de viagem de incentivo da HidroAll. Em 2017, tive o prazer de fazer o mesmo papel em terras lusitanas com a mesma empresa em duas oportunidades, as quais foram uma experiência cultural, turística e gastronômica de primeira linha.
-Que tal Emirados, amigo? Em maio.
– Por que não?
E estamos indo mais uma vez com 90 passageiros de todo o Brasil. A programação, uma goleada, um 7 a 1 (mas a favor dessa vez), com direito aos ícones mais celebrados deste roteiro:
Além de todo crescimento cultural que uma viagem de tal porte acrescenta, sempre há outras possibilidades e, em especial, conhecer e interagir com pessoas de diversas partes, do Brasil e do Mundo. Isso é algo que sempre me impressiona, mais do que lugares, paisagens, manifestações culturais e artísticas, gente. Gente é sempre a maior riqueza. Gente é sempre única e plural.
Como os Emirados são um destino bastante exótico, farei um diário para compartilhar experiências e informações.
E, em setembro, eu, Diego Bauck e Rodrigo Marçura teremos mais uma aventura, afinal, depois de 2 anos tentando embarcar, o grupo de educadores seguirá para a Finlândia e Estônia com o nobre objetivo de conhecer seus sistemas educacionais e suas atrações turísticas. É assim a Vida, sempre prenhe de alternativas e surpresas. E alguma areia.
 
 
 
 O primeiro dia da viagem aos Emirados Árabes foi vivido, quase todo, no interior do A380 da Emirates, o maior avião de passageiros que tem a capacidade de 850 passageiros. Devo dizer que a reputação da Emirates corresponde à realidade. Os serviços e os recursos tecnológicos são tão generosos que vai ficar difícil viajar pelas outras companhias sem compará-las. E, neste caso, caso o fizesse, as demais empresas aéreas falhariam miseravelmente.
Pousamos ao som de Adele em Dubai, a qual, por sua vez, já começa a impressionar pelo seu aeroporto. Não me recordo de ter já conhecido outro com tal estrutura e luxo.
O grupo de 90 passageiros com o qual estava foi dividido em 3 para o traslado ao hotel Sheraton de Dubai. Ocupei o ônibus 1 que liderava, a incumbência do ônibus 2 foi da Ana Paula e o ônibus 3 ficou com o Paulo.
Nas últimas duas semanas, estudei diariamente sobre Dubai e Abu Dhabi, suas monarquias, suas célebres atrações e sobre o islamismo. Afinal, é o que se espera de um tour lider como também dos guias locais.
Ao chegarmos no hotel, às 23h30, depois de quase 16 horas de voo, com o fuso horário de 7 horas à frente do brasileiro, os 90 passageiros se alojaram e, então, o staff da expedição se reuniu com o diretor e proprietário da Griffe de Viagens, Diego Bauck, para tratarmos dos detalhes do roteiro.
Amanhã, teremos mais um dia cheio e cheio de aprendizados.
Afinal, viajar é sempre uma oportunidade de aprender. A melhor oportunidade.
 
Dubai, a cidade branca.
O 2o dia de viagem para Dubai prometia e cumpriu sua promessa.
O primeiro fato que me impressionou, dentre vários, foi a “névoa” branca que descia pela manhã na cidade.
– É a poeira do deserto. – diziam os emirati, os nativos de Dubai.
Portanto havia sempre um fino lençol branco cobrindo as paisagens, tornando as visões ainda mais oníricas.
E muita coisa realmente parecia emergir de um sonho. É coisa de Dubai, que nasceu e cresce apenas pela vontade humana, uma cidade improvável, incrustada no deserto, mas que existe porque pessoas sonharam com ela e a fizeram realidade.
Hoje visitamos o Frame Dubai, uma grande “moldura” que proporciona uma visão memorável das áreas antigas e modernas da cidade.
Depois seguimos para a região mais velha da cidade com suas construções típicas e o mercado.
A noite foi reservada para a festa de confraternização da HidroAll, empresa que nos contratou para operar a sua viagem de incentivo. Dubai está ainda mais impressionante à noite, quando o lençol branco é trocado por cores que não parecem ser desta terra ou de qualquer outra conhecida.
 
Hoje, 3o dia de viagem de incentivo, foi um dia dedicado ao deserto.
Dividimos o grupo de 97 passageiros e guias em diversos carros 4 x 4 e seguimos para o deserto do Sahara. Preciso dizer que não é o deserto do Saara, mas Sahara. Fizemos um belo passeio pelas dunas “com emoção” e, depois, seguimos para um acampamento no deserto, onde jantamos e assistimos a algumas apresentações artísticas da região.
Retornamos, então, depois das 10 da noite, todos animados e satisfeitos com as experiências inéditas, inesquecíveis.
Há algo de sobrenatural no deserto.
É o que me vem à mente quando contemplo o pôr do sol no deserto em Dubai.
Desertos, florestas, oceanos… existem lugares que nos remetem aos nossos próprios ambientes insondáveis. Lugares tão inacessíveis quanto é a totalidade da  alma, alma que nem sei se tenho, talvez não.Talvez tudo seja apenas mente, psiquê, conexões neuronais e faíscas de sinapses. Mas é mais poético chamar de alma. E toda alma é vastidão, quanto este deserto que contemplo até o horizonte.
Deserto me impele lembranças de filmes e livros e, sobretudo, Saint Exupery perdido depois da queda do seu avião, bebendo a última gota de água do seu paraquedas aberto durante a noite a fim de reter alguma umidade. Noites ao relento, esfomeado, sedento, rodeado de dunas e areia, até que a ideia de um garotinho oriundo de um pequeno planeta se formar na sua mente. Até o vazio pode ser inspirador, não é, Antoine?
E aqui estou eu contemplando este vasto vazio, um vazio repleto de invisível. “O essencial é invisível aos olhos”, você disse Antoine. Foi isso que você enxergou, Antoine, quando pescrutou o vazio? O que você, só você, enxergou?
Eu – que não me chamo Antoine nem piloto aviões – vejo apenas aridez, secura e desolação: o peso intangível do nada.
E essa eterna sensação de ter subestimado a Vida, desperdiçada, despedaçada, atirada ao nada de dias uns atrás dos outros, dias enfileirados a caminho de um grande nada, sem razão nem sentido, sem motivo.
Então o que me resta? A mesma cura de Antoine: perfilar palavras, mas sem a mesma arte, desgastá-las, vilipendiá-las, esticá-las, tomá-las emprestadas na cisma de dizer algo inaudito, alguma coisa que nem sei. São, as palavras, grãos de areia. Um deserto de palavras, um nada repleto de tanto, lágrimas que secam antes mesmo de se evadirem.
Quanta vaidade a de tentar depositar sentido no que não tem, nem pode ter: na vida.
Mas só tem quando se dá. É que Vida é um lugar de desertos e, aqui e ali, oásis.
 
Pode ser uma imagem de 1 pessoa e céu
 
4o dia
Dia de Abu Dhabi
Logo cedo partimos para Abu Dhabi, capital e estado mais poderoso dos Emirados Unidos. Estávamos com dois ônibus lotados e 96 pessoas.
Até Abu Dhabi foram 90 minutos de viagem, um tempo que dedicamos a conversar com o nosso grupo sobre a visita à Grande Mesquita e sobre o islamismo.
Ao meu lado, tive o guia egípcio, Ahmed, que é muçulmano e domina a língua portuguesa muito bem. Fizemos um bate-bola esclarecedor sobre a história do islamismo e seus principais preceitos.
Considerei o grupo bastante interessado no tema porque o pessoal participou muito bem fazendo perguntas e tirando dúvidas sobre a fé islâmica.
Mesmo sem ser muçulmano, acredito não ter decepcionado porque me dediquei a estudar o islamismo nesses meses antes da viagem. A verdade é que este aprofundamento acabou também me servindo como um esclarecimento e destruiu alguns preconceitos que eu, erroneamente, cultivava sobre a religião muçulmana. Esse é um dos principais efeitos colaterais do ato de viajar: abrir horizontes.
A Grande Mesquita é um afago nos olhos de qualquer visitante. Ouso até dizer que, ao lado da Igreja da Sagrada Família de Barcelona, é o templo religioso mais fenomenal que já vi na vida. E olhe que já vi muitos por aí.
Logo depois, fomos para o Palácio Real de Abu Dhabi, sobre o qual minhas palavras secam na língua antes mesmo de serem empregadas. Afinal, há momentos nos quais as palavras parecem não estar à altura dos acontecimentos. E aquele palácio é mesmo um acontecimento fora do ordinário.
A impressão que mantenho depois de ver estas e outras construções árabes é que não basta grana, mas também bom gosto. E eles têm sobrando.
É uma ostentação? Claro que é, mas feita com capricho.
À tarde, depois de um bom almoço árabe em Abu Dhabi, fomos para o Ferrari World. E, mais uma vez, me impressionei com a força da marca dessa célebre escuderia, que foi capaz de criar e construir um parque de diversão temático no meio do deserto. E atrai milhões de pessoas todos os anos para viver algo da experiência Ferrari.
Os Emirados são assim: sempre há opções de alto nível à disposição. Tudo com qualidade, segurança e presteza no atendimento.
 
 
 
Hoje foi o nosso 5o e penúltimo dia de viagem na Fest Promotion da HidroAll operada pela Agência de turismo Gŕiffe de viagens, de Campinas.
Foi um dia dedicado a conhecer algumas das figurinhas carimbadas de Dubai: Burj Khalifa, Museu do Futuro e Palm Jumeirah.
Uma atração mais impressionante que a outra. Em Dubai, é comum se falar “maior do mundo”, “mais bonito do mundo”, “melhor do mundo”… tanto que, depois de um tempo, começa-se a se normalizar o extraordinário.
Eu poderia resumir os Emirados Árabes Unidos em uma frase:
– Muita grana empregada com bom gosto.
Eles conseguem apresentar qualidade e luxo sem perder a linha. É ostentação, mas sem escorregar no brega.
Terminamos o dia com o show das águas no Dubai Mall com a sensação de trabalho cumprido.
 
 
6o e último dia de Emirados
Acabou.
Já declarei antes, Dubai jamais teria sido um destino no qual investiria para uma viagem do meu interesse. Turquia, sim. Egito, claro. Mas, Dubai sempre me soou uma proposta tanto “modinha”. Entretanto, para trabalho, é diferente. E, por isso, aceitei mais uma vez o convite do Diego Bauck, da Griffe de Viagens, para compor o seu staff na Fest Promotion da HidroAll para os Emirados Árabes Unídos.
Devo dizer que tive muitas surpresas em Dubai e Abu Dhabi. O padrão social é tão diferente do Brasil que a comparação dá vertigem, porque há aspectos muito diversos. Os Emirados têm apenas 10 milhões de habitantes e apenas 3 milhões são emirati, nativos do país. São 7 milhões de estrangeiros: egípcios, indianos, paquistaneses e mais gente oriunda de todas as latitudes, inclusive brasileiros.
Transporte, saúde, Educação, segurança… tudo invejável. Quer dizer, quase tudo. Há sempre algum “mas”, não é? Os Emirados são uma monarquia com uma família real bastante popular, porém não há imprensa livre nem liberdade de expressão. Ninguém se dispõe a falar mal dos seus mandatários nos respectivos territórios. Decerto não são tão implacáveis com jornalistas e rebeldes quanto seus primos da Arábia Saudita. Contudo, ninguém diz nada. O problema é que nunca encarei a perfeição muito bem. Gente e governos sempre me cheiram mal quando parecem inoxidáveis e antiaderentes aos vícios humanos, tão ordinários.
Não sei se consigo aplaudir um sujeito que tem mais de 100 carros de luxo, o maior iate do planeta, um automóvel de ouro, um avião apenas para seus cavalos e certa fama de que (alguma vez) patrocinou secretamente um ou outro ato terrorista. Ao mesmo tempo, cultiva a fama de grande CEO da nação, um visionário, vanguardista, filantropo. Todavia já foi acusado de ter sequestrado as próprias filhas que tentaram escapar da sua mão de ferro.
Seria verdade?
Não sabemos. É sempre complicado quando a imprensa é cerceada.
Mas caberia uma pergunta incômoda:
Você trocaria a sua liberdade por uma vida confortável e repleta de benesses sociais?
Por exemplo: não há mendigos nos Emirados Árabes. O motivo é simples. Pedintes ganham 2 a 3 anos de prisão e deportação.
Também não há trafico de drogas. Afinal, a pena para este crime é de 40 anos de prisão e deportação, caso esteja vivo.
Será, então, a democracia superestimada?
Não há desemprego no país, nem fome, nem miséria. A xenofobia é aparentemente pequena, ao menos a olho nu.
O turista, por sua vez, tem tantas opções que nem sei quanto tempo precisaria para aproveitar as melhores. O viajante quer praia? Tem. Quer esquiar na neve? Também. Prefere um programa radical no deserto? Fácil. Quer os melhores restaurantes? Na hora. Quer parques de diversão? Está na mão. Quer museus? Claro, até o Louvre está perto.
Mas para curtir cada uma dessas alternativas, precisará de grana, muita grana.
Um café expresso pode chegar ao equivalente a R$ 35,00, em alguns ambientes. Resultado: quase estou curado do meu vício em café.
Caso você deseje, há também o famoso café com pó de ouro. Isso, ouro. Coisa de Dubai.
Não vi gays declarados nos Emirados. Ou o percentual é menor ou o armário do país é imenso. Mas por qual razão? Isso, você adivinhou: é bom não se contrariar o estado nos Emirados. E o estado é muçulmano.
Algo contra a religião islâmica, professor?
Nada contra. Nada a favor. A religião é um fato, um fenômeno social presente em todas as culturas e,como tal, prescinde da minha opinião para existir. O problema, porém, é quando religião, leis e estado se fundem. A história da humanidade mostra que este trisal raramente funciona (Ou qualquer trisal!).
Entretanto, não há como se negar que Dubai entrega o que se compra. É tudo caro, mas a maioria das atrações vale a grana empregada: Burj Khalifa, Dubai mall, Museu do Futuro, Palm Jumeirah, mercado do ouro, frame de Dubai, a grande Mesquita e o Palácio Real de Abu Dhabi… as grandes atrações são mesmo grandes e, por isso, indispensáveis.
Há lugares nesse roteiro que alcançam fácil o (quase inatingível) posto de best five da minha vida. Na grande mesquita, de tão espetacular que é o ambiente, me bateu – quase – a vontade de rezar e agradecer a deus pelos meus olhos.
Recentemente estive em Noronha e na Colômbia, lugares famosos por recursos naturais, paisagens e praias exuberantes. Nos Emirados Árabes Unidos, eles têm apenas areia, dunas e, claro, grana, muita grana oriunda do petróleo. Agora o petróleo já não existe mais, porém o gás natural ainda é disponível. O Sheik, porém, se antecipou aos fatos e Dubai se tornou um poderoso destino turístico e um polo de inovação. A conclusão é simples: enquanto alguns lugares foram erguidos pela mãe-natureza, Dubai e Abu Dhabi foram edificados pela ousadia, engenhosidade e insistência humanas. Depois dessa mísera reflexão, o pensamento que me vem chega a ser simplório:
O que faríamos, os privilegiados pela natureza, se tivéssemos ao nosso favor também ousadia, engenhosidade e insistência?
E ainda democracia decente e liberdade de expressão?
Seria uma beleza, não?