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Turismo no século XXI (ou Turismo líquido)

04 de agosto, 2019 - por Max Franco

A atividade turística é mais uma das práticas do mundo moderno que conjuga com as teorias propostas por Zygmunt Bauman (2005) e a sua “modernidade líquida”. Bauman traz um olhar ácido sobre a fluidez da existência contemporânea através daquilo que ele apelidou de: “Precificação generalizada da vida social e a destruição criativa própria do capitalismo”. Bauman traz à baila uma discussão sobre a condição humana, o desapego, a versatilidade em meio às incertezas e as tendências de vanguarda passageiras.

A sociedade líquida suscita um debate em torno das transformações sociais que ocorreram depois da decadência das ideologias comunistas e após a expansão do consumismo. Enquanto, outrora, o capitalismo produzia e comercializava, em escala, utensílios, vestimentas, alimentos e tantas outras coisas, o capitalismo, a partir do princípio do século XX, produz e vende emoções, também em escala.

Ocorre na sociedade, portanto, uma mudança radical de comportamento e de pensamento, transitando de uma sociedade de produtores, fundamentada na busca pela segurança e pela estabilidade, para uma sociedade de consumidores, centrada apenas na satisfação dos desejos imediatos. A “modernidade líquida” relaciona-se com a necessidade de superação de uma sociedade estática, rígida, extremamente limitativa das liberdades individuais.

Para Bauman, a sociedade atual é marcada pela velocidade e globalização, mas com a única intenção de levar cada vez mais pessoas para o consumo. As relações são descartáveis, o consumismo é o elemento principal da modernidade: a felicidade está no consumo. Na sociedade líquida-moderna, não são os marcos históricos, as lembranças, memórias ou glórias passadas que fazem de algo um “produto cultural”, mas seu valor está no mercado. Tudo pode ser transformado em produto e é o mercado que dita todas as regras. Há, então, a necessidade de uma “cultura global” que seja identificada como um produto pronto para consumo e preparado para ser jogado “no lixo” quando se torna obsoleto. O conhecimento virou também um produto. Há uma Indústria do Conhecimento, que mostra que toda informação tem prazo de validade e as pessoas necessitam sempre se atualizar. O conhecimento também se liquefez.

Tudo funciona para criar produtos persuasivos. O produto turístico se encaixa perfeitamente nessa lista de ofertas atraentes. No capitalismo transestético, não se comercializam apenas produtos, mas principalmente a beleza, a elegância, o design, a personalidade, o personalizado, o diferente. Tudo é direcionado para gerar tendências, moda e arte.

Como não poderia ser diferente, as características da modernidade líquida também são detectadas nas atividades turísticas. Destinos se consagram e se desconsagram com uma velocidade abissal. Lugares se tornam produtos a serem consumidos velozmente e sempre acompanhados de imagens e postagens em redes sociais. Não basta apenas ir, mas mostrar ao máximo possível de gente que foi. Hotéis e pousadas se adaptam às tendências mais atuais de decoração, ignorando as características estéticas da região onde estão inseridos. Não se faz mais somente “turismo”. A palavra do momento é “experiência”. Lugares se pasteurizam a partir de uma imagem almejada que é imposta pela globalização.

São muitos os indícios de que o ramo do turismo é dos setores mais atingidos pelo pensamento hodierno da modernidade líquida, e essa maneira de comportar-se, de pensar o mundo e de se pensar como ser humano permeia todas as relações da prática turística e todos os setores do mundo moderno. Lugares viraram produtos de prateleiras. Roteiros turísticos viraram pacotes. Viajantes são clientes por excelência.

É a partir de tal contexto que essa pesquisa deseja promover um olhar, um vislumbre, sobre como a utilização das narrativas oriundas e produzidas pela cidade de Fortaleza conseguem transformar a cidade nesse produto atraente que o mundo atual tanto busca. Como atesta Coriolano, o litoral do Ceará polariza resorts, sendo Aquiraz exemplo dessa ocupação. A aparente motivação é a intensidade de radiação solar dita de 2.800 horas durante o ano com clima tropical, amenizado pelos ventos alísios e brisas marinhas, mas a ocupação para além disso. Ela se insere na reestruturação do capitalismo, que prioriza o setor terciário, dentre eles o turismo. (CORIOLANO, 2008).

São diversas as vozes que se apresentam para discutir o mundo moderno, como também suas vicissitudes e seus fenômenos. Cada voz traz uma entonação e um sotaque diferente. Porém, todas contam histórias e traçam diversas narrativas. O turismo, como mais uma manifestação contemporânea, não está fora do relato da modernidade. É sobre este plural encontro de narrativas, ou, em suma, sobre o storytelling associado especificamente à Fortaleza, que versa esta pesquisa e, para favorecer esse olhar sobre o tema, se define a sua metodologia. Há de se analisar os discursos de nativos e visitantes sobre a cidade dentro dos seus respectivos contextos, locais, culturais, temporais, para que seja possível a elaboração de uma visão mais nítida das questões sobre as quais a pesquisa pretende refletir. Entretanto, mais do que encontrar respostas objetivas para cada uma das perguntas levantadas, deseja-se trazer à tona a importância da exploração das narrativas locais em função de uma promoção do turismo em Fortaleza e no Ceará.

Mais do que respostas, histórias.

 (Fragmento da dissertação “Storytelling como recurso de promoção do turismo em Fortaleza”)