https://www.maxfranco.com.br/artigos/foi-se-25/

Do tempo e das coisas (Foi-se 2025)

25 de dezembro, 2025 - por Max Franco

Quem costuma se expressar de modo contínuo nas redes – geralmente – tem o irritante hábito de fazer contabilidades do seu ano, buscando expor potenciais rendimentos e/ou evoluções pessoais que venham a servir como referências públicas de modelos de comportamento. Em suma, é algo meio autoajuda que soa assim: “eu fiz ou aprendi isso e certamente deve servir para você!”.

Pois, caro amigo, cara amiga, caro leitor desconhecido, começo logo revelando que não considero que nada que tenha feito ou aprendido possa ter a qualidade de serviço para quem quer que seja. Eu não sirvo como modelo para ninguém, não alcancei qualquer esclarecimento, não tive epifanias transcedentais nem obtive revelações fundamentais. Eu tive um ano de 2025 como foi o de muita gente. Um ano meio bom, meio mais-ou-menos, meio chato… um ano comedido, copo-meio-cheio-meio-vazio, um ano anual. Entretanto, fiz também meus inventários e cheguei a algumas conclusões, as quais servem apenas para mim, e olhe lá… Anos são sempre assim agridoces? Não. Há anos amargos que nem cerveja ruim e quente. Alguém lembra da pandemia?

Caso você queira continuar lendo esse texto gratuito e desnecessário, é por livre e espontânea vontade sua. Não escrevo nada tão relevante assim para ninguém. Escrevo exclusivamente para mim e nem sei se é algo tão inestimável assim nem para mim mesmo. Se você deseja continuar lendo, é por sua conta, ou por mero voyeurismo e falta de algo melhor para fazer. Lá no Ceará, chamam de “brechar”. Gosto desse verbo. É um verbo poético. Caso você não entenda muito do rico vocabulário cearensês, brechar é buscar uma brecha para entrever algo que lhe atraia. Geralmente é algo que você não estaria autorizado a enxergar. Quer brechar, pois breche.

Desde 2007, que foi o ano no qual comecei a escrever com regularidade, este foi o ano em que menos escrevi. Escrevi 8 livros infantis e gostei de tê-los escrito. Mesmo assim, escrevi pouco. Por quê? Não sei se saberia responder a essa pergunta com precisão. Acho que não tenho muito mais a dizer do que já disse ou que já tenha lido. Também não sei se existe mais alguma coisa criativa, nova ou inovadora para alguém dizer, mas se tivesse, eu a garimparia para eu mesmo dizê-la, da melhor forma possível e rapidamente, antes que outro o dissesse. Tudo que vejo nas redes e na cena literária é mesmice requentada. Tudo se assemelha ao “resto de ontem” da ceia de natal que se transforma em vários almoços recauchutados e customizados à exaustão. O melhor que encontro hoje para ler tem muitos anos de existência. Nada atualmente é melhor do que Dostoiévski ou Machado. Nada é melhor do que Luís Fernando Veríssimo. Por sinal, 2025 foi o ano que nos tirou Luís Fernando Veríssimo, como também Lô Borges. Sofri deveras com a perda do Lô. Algo que teimava em sobreviver da minha juventude partiu com ele. Quem apareceu que possa se sentar nas mesmas cadeiras? Não conheço e amaria ser apresentado.

Eis alguns desejos que nutro nas atualidades: descobrir algo bom de se consumir e alguma coisa interessante para expressar. Decerto, um levaria ao outro. Por sinal, cultivo um capricho ultrapassado que é uma condição muito pessoal para o que produzo: eu escrevo o que escrevo. Eu não apelo para quaisquer inteligências a não ser a própria, a qual é parca e limitada. Aliás, se fosse maior, eu iria mexer com bitcoin ou com alguma dessas modernidades que ajuntam grana. Escrevo forno a lenha e, não, microondas. Escrevo artesanato e, jamais, indústria. Escrevo alfaiateria e, nunca, riachuelo. Isso me torna um artigo vintage, eu sei.

A verdade é que em 2025 escrevi pouco e trabalhei muito, e considero que bem. Foi um dos anos mais produtivos da minha vida e em que mais senti que minhas ações profissionais foram impactantes. Isso é algo digno de nota e que ouço menos do que deveria das pessoas com as quais convivo. A maioria trabalha apenas porque precisa trabalhar. Eu trabalho porque preciso, lógico, e porque sinto o meu trabalho como algo que pode ter valor para alguém e para uma comunidade. Isso me leva a cair em orgulhos e vaidades? Claro que sim. As pessoas com as quais trabalho chegam às mesmas conclusões? Também espero que sim, mas, se não, paciência. Se ninguém me congratular, eu me congratulo e reconheço o trabalho que realizo, bem como sei que isso vale muito neste mundo em que tantos não encontram propósito nem sentido nos seus ofícios. A Vida tem mais sentido quando encontramos valor no que fazemos.

Hoje contemplo o meu tempo de Vida e espero usufruir de algum tempo a mais. Sei – como nunca soube – como sou temporário e efêmero, por isso tempero a minha Vida sem encher a mão das especiarias que sobram no mercado. A questão é que a Vida pode ser insossa na maioria do tempo. Por isso, os meus contemporâneos querem passatempos mas odeiam temporais. Por isso, a Vida pede tempero com temperança. Pede temperatura tolerável. A Vida pede Tempo e o Tempo acaba cedo.

-Mas a Vida tem algum sentido, professor?

– Nenhum. Por isso que precisamos atribuir sentido ao que fazemos, justamente porque – a princípio – não existe algum.

O que fazemos é levantar todos os dias e, tal Sísifo, empurrar a nossa pedra pessoal para cima de alguma montanha. E amanhã de novo. E de novo. Nesse caminho, teremos emoções. Muitas emoções de todo tamanho, cor e estilo. Faremos amigos e nos desapontaremos com muitos deles. Da mesma forma, iremos decepcionar quem esperou algo de nós. Viver é coexistir com a desilusão. É uma decepção mútua, hodierna e universal. Somos máquinas de malograr, indústrias de desencantar. Quem exigir nenhuma frustração sobre a terra não está preparado para viver. A gente vive, conquista coisas, tem vitórias aqui e ali, mas a decepção está garantida quase diariamente, várias vezes ao dia, vários dias ao mês. Por isso, pouca coisa é mais valiosa do que a lealdade. 2025 para mim foi uma aula de lealdade. Por isso, termino este ano, mais um ano, fazendo meus cálculos de quem permaneceu e quem se foi. Muita vez, sofro com os evadidos, mas comemoro os permanecentes. Não tenho mais idade para cevar relações nas quais as contas levam ao negativo. Sei que busco ser leal com quem merece lealdade.  Não obstante, não perco mais tempo. Tempo depois de certa fase, vale muito, vale quase tudo. Tempo, afinal, é coisa atemporal. A Vida tem lá dessas coisas. A Vida é frágil, é pouca, mas é tudo que temos.

Depois de alguns anos, não sei se perdemos ou acumulamos anos.

Então é isso. Já que não sabemos para onde nos leva essa árdua estrada, ao menos, podemos escolher que estará ao nosso lado. A Vida nos faz essa seleção, mas somos nós que publicamos a lista na porta do ônibus. Já que não sabemos quanto tempo dura essa viagem; já que ignoramos o que nos espera depois da próxima curva, é o com quem que importa. Eu sei que tenho sorte com os meus com quem. Minha mulher, meus filhos, irmãos e amigos são provas de que tenho com quem de alto quilate. São uns com quem que dão todo o sentido do mundo à minha Vida. É um clichê afirmar isso? Claro que é. Por isso não ando escrevendo mais nada. Porque tudo soa mesmo como lugar-comum. Mas quem foi que disse que não posso distribuir clichês nas praças ao menos uma vez?

Schopenhauer argumentava que a vida é essencialmente sofrimento e uma luta constante, comparando-a a um pêndulo que oscila entre a dor e o tédio. Em seus escritos, a vida é descrita como um “processo constante de morrer” ou uma “queda irreversível” em direção ao vazio. A vida é dor e tédio; a sabedoria está em reconhecer isso e buscar alívios momentâneos (arte, contemplação) ou a libertação final. Camus, por sua vez, dizia que “viver é uma queda para frente”. Nietzsche defendia que podemos dançar enquanto caímos. Eu não entendia isso. Hoje acho que entendo. O problema é que – desconfio – com o passar dos anos, tendo a entender ainda mais, enquanto vivo menos. É que essa compreensão exige uma conta muito cara…

Penso demais em tudo isso. Dizem que penso muito. E quando escrevo, escrevo muito. Não sei sintetizar indignações e revoltas. As pessoas querem ler pouco. Aliás, querem ler quase nada. Querem ler mal. Querem fofocas, intrigas, reclames de produtos baratos, serviços miraculosos e tutoriais idiotas. Orwell dizia que era assustador como tanta gente ignorante podia ter tanta influência. O pior é que dizia há mais de 5 décadas. Imagina hoje…

Em 2026 espero ter algo mais divertido a dizer. De fato, espero que seja um ano muito promissor. Deverá ser um ano de muito trabalho e de muitas possibilidades. Será ano de copa do mundo de futebol e amo copa do mundo.

Na verdade, amo amar as minhas pessoas e as coisas que amo.

Talvez nisso repouse algum sentido.