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O Pai dos dias

09 de agosto, 2017 - por Max Franco

A verdade é que nunca fui de datas.
Os dias, para mim, são o que de fato são: vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, as quais sucedem ininterruptamente até o famigerado dia em que nada sucederá.
Não há, a rigor, dia de qualquer coisa. Há o dia. Foi a humanidade que decidiu inventar “dias de”, da mesma forma que convencionou semanas, meses e anos. É do homem a mania de batizar as coisas. É o nosso eterno desejo de controlar tudo. Ao denominar, esperamos ter controle. Imagina querer controlar coisa tão etérea quanto o tempo. A natureza, por sua vez, não dá nome à coisa alguma. Ela não concebe, nem apelida. Ela não sabe, nem sequer se sabe. Ela apenas existe.
Por outro lado, neste domingo é dia dos pais. Dia comercial, dirão. Mas, pouca coisa não é comercial neste mundo. E o que não é, vai acabar, mais cedo ou mais tarde, se tornando. Vão já arrumar um jeito, por exemplo, de produzir em escala, embalar, empacotar, precificar e vender amigos por aí.
Não quero inspirar pena, porque está longe de ser do meu feitio tarefa tão indigna, mas, pensando aqui com os meus botões, neste domingo, serei mais uma vez órfão por excelência de pai. Pai morto há anos. Pacote ai-de-mim-que-solidão assegurado.
Quem estiver próximo ao pai e aos filhos, por favor, abrace-os com todo carinho e fervor que os seus braços possam carregar. É uma dádiva ter pai e filhos. A vida só vale ser vivida quando temos gente para amar. E quando somos amados. É o ser querido e o querer ser que nos dão algum sentido à vida.
Eu tive a sorte e o azar de ter um pai cheio de defeitos. Aos vinte anos, inclusive, eu já tinha mais viagens, salário e estudo que o velho jamais tivera. Meu pai era alcoólatra e a verdade é que me tornei pai do meu pai muito cedo. Confesso que, enquanto estava vivo, nunca o perdoei pela admiração que ele não conseguia me inspirar. Eu queria um pai-herói. Como se intitulava a última novela à qual assisti. E eu achava que ele não me ajudava muito a sentir orgulho dele.
Hoje, me penitencio por isso. Coisa mais gratuita, porque não resolve muita coisa remorso tardio.
O fato é que, apesar de tudo e por causa de tudo, eu o amava. Mas amava com pé no freio, contrariado. Com um amor desapontado.
Atualmente, no entanto, o amaria sem rédeas, demasiado. Porque – hoje – o compreendo muito mais e enxergo as suas fraquezas com a condescendência que apenas outro fraco pode ter pelo seu semelhante. Seria maravilhoso poder me sentar com ele para trocar misérias, vitórias e figurinhas. Ele teria muito orgulho de mim hoje, não só pelas conquistas que amealhei, nem apenas pelo homem que me tornei, mas porque esse homem está longe de ser tão forte e incólume quanto considerava. Porque esse cara , mesmo assim, não tem medo de ter medo e é seguro das suas inseguranças. Exatamente como a maioria é, mas faz muita força para esconder.
Domingo é dia dos pais. Mais uma data criada para aquecer a economia, para vender perfume, meias e gravatas. Uma data ordinária como tantas outras. No entanto, – por que não? – uma boa desculpa para declararmos aos nossos seres amados que os amamos.
Eu digo – sem cessar – fica até bobo e chato – para aqueles que amo, – amo.
Sei que sou um sujeito dotado de muitos predicados (alguns injustamente imputados, outros, nego-os deslavadamente), porém, espero nunca merecer a alcunha de desamado ou de desamante. Amei as pessoas que amei com amor absoluto. E é com amor deste naipe que amo meus filhos. Filhos que são melhores do que eu e que, espero, só evoluam. Filhos de uma bacanice inquestionável.
Nesse dias dos pais, dessa data vazia, sem sentido, mas que pode ser preenchida por algum, envio essa qualidade de amor para os meus filhos. O amor de um pai que já esteve longe, mas nunca distante. O amor de pai imperfeito e vacilante, mas não covarde e omisso.
Talvez, eu não seja alvo da admiração que gostaria de merecer dos meus filhos, mas, decerto, serei destino de algum orgulho, porque meus filhos dirão de mim como eu digo do meu pai:

– Ele era incorrigível, mas aquele cara me amava!