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A última jornada

16 de janeiro, 2017 - por Max Franco

 

Ricardo abriu os olhos que não mais tinha naquele dia que também não era dia nem sequer noite.
O espectro que um dia atendeu pelo nome de Ricardo caminhou pela penumbra sem entender onde estava ou, pior, se estava.
– Olá, Ricardo, como vai? – perguntou a menina esboçando um sorriso aberto.
– Eu não sei. Não estou entendendo onde estou. Isto é um sonho?
– É um sonho. Mas um sonho diferentes. Sonho sem sono, mas sem pesadelos. Nunca mais…
– Eu estou doente, muito doente…
– Doente e amargurado, mais amargurado do que doente. Porém, não estará mais. Aqui, nada disso existe, nem dor nem depressão.
– Mas, vou ficar neste lugar por quanto tempo?
– Esta é a questão, Ricardo. Não há esse negócio de tempo por aqui. Na verdade, aqui nem há aqui. Não há cá ou acolá. Nem antes ou depois. – – Há um grande agora, interminável.
– Como se faz fora do tempo? Não entendo.
– Você vai entender. É como andar de bicicleta. Vai aprender e, depois, não se esquecerá mais.
– Eu não sei bem o que fazer…- disse Ricardo caindo no choro.
– Não chore, Professor! Como pode chorar se aqui não há sofrimento? Veja quem veio lhe dar boas vindas. – disse a garota e apontou para uma multidão que os aguardava adiante.
– Viemos para lhe agradecer, Professor! – falou o homem com os olhos marejados.
– Mas, não lhe conheço. Por que me agradece? – inquiriu o velho mestre.
– Olhe melhor, Professor. Fui seu aluno há muitos anos. Depois, fui médico. Tentei ser o melhor, porque foi isso que aprendi com o senhor. Todos aqui fomos seus aprendizes.
– Ramon, é você? Não é possível! Faz tanto tempo…
– Professor, eu tinha dificuldade imensa de aprender. Você soube me encantar. Você me ensinou a amar o conhecimento. Isto mudou toda a minha vida! Fui juiz. Um dos bons.
– Professor, você se lembra de mim? – falou a outra mulher.
– Diana, como me esqueceria? Por onde esteve?
– Ninguém se importava comigo, Professor! Quando ninguém prestava atenção em mim, você notou o meu abandono e me tratou com carinho. Quero lhe agradecer demais! Fui psicóloga.
– Você fez diferença na minha vida, Professor! – disse outro homem. – Eu nunca me esqueci de você. Depois, me tornei empresário e tentei ser um profissional tão bom quanto o senhor.
– Obrigado, Professor. Você mudou a minha vida!
– Professor, você me inspirou. Você foi o meu mentor. Fui professor. Um dos bons…
– Você me tocou com a sua humanidade.
– Afetividade.
– Humildade.
– Conhecimento.
– Você me fez querer aprender e a gostar disso por toda a minha vida.
E assim, um por um, todos abraçaram o velho professor e louvaram o seu trabalho. Por fim, o mestre estava mais emocionado e feliz do que um dia já estivera.
– Vocês foram muito gentis. Não sei o que fiz para merecer tanta generosidade.- comentou o professor. – Eu podia ter feito melhor. Errei tanto…
– Errar é do errante, Professor. – declarou a menina. – A pedra é do caminho e não há estrada que não seja de pedra. Você topou, caiu e escorregou mais do que desejou, é verdade. Mas, você amou tanto o que fez, fez muita gente feliz e melhor, asfaltou o caminho de tantos. Este, afinal, não é o maior papel do professor, abrir estradas?
– Obrigado, minha jovem! Mas, me diga, quem é você? Como sabe tanto da minha vida?
-Eu não sou de natureza humana, Professor, mas existo desde o início da humanidade. Na verdade, nasci com vocês. Há quem me reconheça e me ame, como é o seu caso. Mas, tantos vivem como se eu não existisse. Em grego, me chamam de Sofia.
– Sabedoria? Logo vi. Deveria ter percebido antes. Lógico que é você! Eu lhe busquei a vida toda.
– E eu estive ao seu lado, mesmo que, por vezes, tenha agido como se estivesse distante.
– Mas sempre amei você.
– Eu sei. Agora, ficaremos sempre juntos. – disse a garota pegando a mão do velho professor e seguindo pela estrada enevoada.
– Sempre? Você jura?
– Sempre é agora e o agora é para sempre, Professor.
– Sim, eu sei… Agora.