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O que deu errado?

04 de abril, 2016 - por Max Franco

Eslovênia, 2105

Pai, o que deu errado no nosso país? – me perguntou ela no fim da viagem. – Aqui é tão pacífico! Ninguém tem medo de andar na rua, não importa a hora. Por que não podemos viver assim no Brasil? O nosso país tem tanta coisa boa. É tão rico, maravilhoso, bonito. Por que não podemos ter paz?
Faço essa pergunta desde que me entendo por gente, Di. O Brasil é um desperdício. Veja só este pequeno país onde estamos. É mais rico do que o Brasil? Nem perto. O que eles tem que nós não temos? Eles souberam se organizar. Eles são educados ao ponto da cidadania. Do sentido de “Coisa pública”. Nós estamos no paleolítico da coletividade e na periferia do sentimento de comunidade. Nós, que temos tanto, boicotamos a nós mesmos.

Estávamos sentados num banco de esquina. À frente, um velho violinista tocava uma música triste. Acho que era Chopin. Parecia Chopin. Era tarde da noite, mas as ruas estavam cheias. É verão e todos estão felizes. Por estas bandas, a felicidade é compulsória no verão.
“Moro perto daqui.”Disse o garçon carioca. “São 15 minutos caminhando. Mas de bicicleta, são 8. Ninguém faz questão de carro por aqui. O transporte público é excelente. Todo mundo tem bicicleta. O dinheiro extra é para viajar. Eu tenho saudade do Brasil. Vou sempre visitar a família nas férias. Mas, nunca mais saio daqui. Aqui vivo em paz.”
Paz. Novamente essa palavra. A música ficou ainda mais triste. Tão triste quanto o olhar do velho violinista. (Por que ela não toca Beyoncé ou um pagode para animar?)
Passa a loira de shortinho. Passa a senhora com seu cachorro. Passa a mãe com seu bebê no colo. As crianças riem e correm ao redor do chafariz. É tarde da noite. Ninguém liga, porque é verão. Porque não há risco algum. A rua é do povo. Ninguém tem medo da rua. Ninguém tem medo do lobo mau. Ninguém tem medo de nada.
Vou-me embora para o Brasil e o Brasil não é Pasárgada. Lá, não sou amigo do rei. Lá, não terei as mulheres que eu quero na cama que escolherei. Lá, terei medo dia e noite, por mim e pelos meus.
Só me faltava essa: ficar melancólico por causa do meu país!
É que dá revolta ver o quanto desperdiçamos. Ver como poderia ser. Por que funciona para eles e não para nós? Por que demos errado? Como fazer para consertar o que não quer ser consertado?
Cansaço. Me bate o cansaço do mundo todo. Do mundo todo, não. Cansaço do meu país. Cansaço de voltar para lá e me reencontrar com toda aquela baixaria generalizada. Com toda aquela falta de civilidade e decência. Um país sem pátria. Sem comando. Sem rumo. Sem país.
Debussy.
Agora é Debussy. Um Debussy triste como só Debussy sabe ser.
O velho decidiu fornecer trilha sonora às minhas angústias.
Não me dá mais raiva ver que a vida poderia ser melhor para nós brasileiros. Dava. Dava muita. Eu não sabia que as pessoas poderiam viver em harmonia. Quando descobri, fiquei com raiva. “É isso que nos tomam?!”
Hoje, me dá inveja.
Inveja e pena. E pena de ter pena de mim e do meu povo.
Ninguém merece ter pena do seu país.
Aqui, as pessoas caminham sorridentes e dançam na rua.
Eu estou triste como o diabo. Triste por não dar aos meus filhos um país melhor. Acho que falhei. Minha geração falhou. Sonhávamos tanto. Mas falhamos. Meus filhos não verão país algum.
Vou-me embora para o hotel. Amanhã, para o Brasil. Meu Brasil brasileiro.
O velho continuou debussyando na esquina. Deve ter me acompanhado com aquele olhar triste. Decerto, também, com pena de mim.