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Querida infância?

10 de outubro, 2016 - por Max Franco

Já declarei noutra oportunidade, mas o fato é que não fui uma criança das mais felizes e retumbantes. Portanto, não sou daqueles que alimenta saudade da infância. Sei que essa afirmativa vai na contramão das opiniões da maioria, mas não há razão para mentir apenas para manter a minha imagem intocada. O fato é este: sou um cara que não chora quando ouve música do Balão Mágico. Não me emociono quando assisto a reprises dos Trapalhões na tv e, principalmente, não acredito que os “bons tempos” eram os pretéritos.
A verdade é que, ao contrário do que se apregoa por aí, criança no meu tempo de criança não tinha a melhor vida do mundo. A gente tinha pouco direito à opinião e muito a cascudo de mãe, pai, tios, tias, primos, primas, vizinhos, e de qualquer um que fosse mais alto. Não existia a palavra bullying e quem inventasse de alegar que era importunado entrava no pau. Quem nunca ouviu a fase clássica: “Se apanhar na escola, apanha também em casa!”. E a gente apanhava na escola e em casa. (Depois de ouvir outro clássico: “Te pego lá fora!). Promessa que era quase sempre cumprida.
Eu me lembro – e não tenho saudades – das Sessões da tarde reprisadas à exaustão;
Dos teletons piegas conduzido pelo Roberto Carlos;
Do time do flamengo liderado por Zico, Adílio e Nunes;
Da música “Menina veneno” do Ritchie onipresente aonde quer que se fosse;
Dos generais-presidentes-da-república (e também dos civis);
Da espera do carro pipa quando faltava água.
Tenho boas lembranças, porém,  da rua de terra batida em frente a minha casa na Parangaba, nosso playground, onde jogávamos futebol de travinha e vôlei com rede de varal;
Dos inúmeros sítios que salpicavam o meu bairro, onde roubávamos as melhores goiabas que já provei. E sapotis. E azeitonas. E cajus. (A verdade que nunca na minha vida subi em uma árvore para furtar frutas. Eu sempre fui o cara que apontava e que aparava o fruto. Coisa que me garantia 50% do arrecadado. Lógico! Autor intelectual tem lá seus méritos!);
Das caminhadas intermináveis, baladeira de liga de soro e cabo de goiabeira em punho, à caça de se acertar calangos, lagartixas e nunca passarinhos (questão de estética não se discute!);
Dos folguedos juninos, das quadrilhas, das fogueiras improvisadas, das bombas rasga-latas e das mil simpatias que a festa sugeria.
Ser criança na minha época de criança era, antes de tudo, ter um dia de 36 horas, quase impossível de se preencher.
Hoje não. Hoje, há os jogos de computador, a tv a cabo, os brinquedos tecnológicos, mas duzentas mil tecnologias de aparelhos celulares, aparelhos de som, aparelhos portáteis, aparelhos de ipod, aparelhos aparelhos… Hoje, criança tem agenda. Criança-executivo. Criança-workaholic. Criança mal tem tempo de ser criança. É tudo diferente.
Que razão teria de cevar saudades desta época quando ser criança era tão improvisado?
Vivemos a era da criança de sistema intensivo. Criança profissional. Criança de granja.
Eu, lá na Parangaba, há tantos anos que nem sei, fui criança extensiva, meio solta no mundo. Criança artesanal. Criança do tipo pé-duro.
Saudade de quê?!