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40 dias de retiro

16 de julho, 2017 - por Max Franco

Ano de 2015.

Ela fez 15 anos. De presente, 40 dias de viagem pela Europa.

Jesus foi para o deserto. Fomos para Mônaco, San Marino, Veneza, Budapeste… Por isso, Jesus é Jesus e eu, apenas eu.

Paciência!
Qual a contabilidade que faço após esses 40 dias de retiro não-espiritual?!
A conclusão é simples e, ao mesmo tempo, polêmica:
Não há o menor sentido em se viajar para turismo.
Imagino que a afirmativa anterior cause estranheza. Ainda mais vindo de alguém que dedicou boa parte da sua vida educacional e profissional a promover viagens.
Mas, siga o meu pensamento:
– Onde é melhor comer?
Eu, pessoalmente, amo a comida da minha mãe. Não achei alguma melhor. Pizza é a brasileira. Na verdade, comida é a brasileira;
– Alojar-se?
Na sua casa, dormindo na sua cama. Pegue a cotização da diária do hotel mais barato que você já ficou e multiplique por 30. Fez a conta? Você está confortável na sua casa? A relação custo-benefício justifica?!
– Cultura:
Livros. Levante o preço de uma passagem internacional. Daria para comprar quantos livros? Horas e mais horas de trânsito poderiam ser aplicadas em quanto tempo de leitura ou mesmo assistindo a documentários instrutivos? Quem foi que disse que precisa viajarpara obter cultura? Shakespeare – por exemplo – nunca saiu da Inglaterra.
– Riscos:
No Brasil, corre-se mais risco. Isso é verdade. Acho que ali estamos todos vivendo uma histeria coletiva. Mas, não duvide: o mundo é um lugar inseguro! Dois amigos meus, em menos de um mês, um na Itália e outro na França, tiveram os seus carros arrombados e seus pertences roubados. Fora isso, há também casos de xenofobia, atentados terroristas, tragédias naturais, batedores de carteira, charlatães e espertalhões de todas as espécies. Não dá para se dizer que estamos absolutamente seguros em nenhuma parte do globo terrestre. Talvez, não mais do que na sua casa.
Então, se tudo é melhor na sua casa, para que viajar?!
Ao meu ver, não viajamos por razões objetivas e pragmáticas.
Viajamos porque temos que viajar.
O ser humano, como se sabe, foi muito mais tempo nômade que gregário. Está no nosso arquétipo se mover. Está no nosso inconsciente coletivo buscar novas paragens, outras paisagens e diferentes presas. Emoção e movimento tem o mesmo radical latino. Quem emociona, move.
Quando a vida aperta, não tem outro jeito. O nosso ser ancestral bate na nossa porta e diz: vai. vai, pega as suas trouxas e põe o pé na estrada. A vida é passageira. Como você.
A viagem é a fuga por excelência da zona de conforto a qual tanto buscamos e que tanto nos faz mal.
Eis a dicotomia da vida: queremos conforto, mas o conforto nos sufoca, nos engorda e nos amolece. Conforto demais é mais que nocivo, é fatal. Rotina e tédio fazem milhões de vítimas a mais do que esportes radicais. Por isso que, de vez quando, casualmente, quase sem se fazer notar, algo em nós se incomoda, se revolta e pede por espaço. Sabe por quê? Porque é da nossa natureza a natureza, os campos, os prados, a praia e a montanha. Como também a aventura e as surpresas. Urge, portanto, desinstalarmos, desentalarmos, inquietarmo-nos.
A verdade é que não viajamos para alguma coisa, mas por alguma coisa.
Essa coisa intensa e antiga que pulsa em cada ser humano. Essa coisa inexplicável, intuitiva, instintiva, essencial que todos temos.
Viajamos porque esse troço nos impele, e esse troço é bom.