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Pelo retrovisor

27 de novembro, 2018 - por Max Franco

            Tudo começou muito cedo. Estava concorrendo para uma difícil vaga na Escola Técnica Federal do Ceará. Tinha 14 anos mal completados e certa antipatia inata a números, mas sabia que se não os domasse, dificilmente, teria condições de ser classificado entre tantos candidatos. Portanto, eu estudava todos os dias até tarde, varando a madrugada, movido a litros de café. Foi acidental que aprendi que quando eu explicava para “alguém” o que estava estudando se tornava muito mais fácil aprender. Então, criei os meus alunos de imaginação e dava aulas para eles noites a fio. Não teve outro jeito, não demorou muito, aos 18 anos, já estava trabalhando em escola. A vaga tão almejada foi conquistada, porém a maior conquista foi mesmo a descoberta do que gostava. Mais do que gostava, amava.  Havia descoberto que só me sentia realmente bem e realizado quando estava educando, quando alguém aprendia algo com a minha mediação, quando era o que um educador deve sempre ser: um guia.

Educador vem do latim, duc. Em outras palavras, o duto, a condução. Todo professor, por definição, é um cicerone. É aquele que mostra caminhos, abre estradas e indica a direção. Este mentor, então, nunca deveria se deter apenas no campo do conhecimento formal, mas, principalmente, na promoção de valores humanos e universais. Este é o educador que fica na nossa memória: aquele que nos faz enxergar o que não estávamos vendo. Eu tinha descoberto o que queria ser. Agora, faltava aprender a sê-lo. Entre o querer ser e o ser, porém, como sabemos, são milhares de quilômetros.

Acredito que é o que fiz em todos esses anos: caminhar. Às vezes, depressa, sem mal perceber a paisagem. Noutras vezes, devagar, degustando cada sabor da jornada. Houve, também, tropeços inesperados, escorregões dolorosos e, por fortuna, enormes saltos para frente. No entanto, não importa o ritmo ou a direção, estou seguro de que tudo me fez um melhor caminhante e, por isso, um educador que hoje está melhor aparelhado e experiente, com um GPS mais apurado para indicar os caminhos. Decerto, há ainda muito para percorrer, muito a aprender nesta viagem e também a ensinar. É justamente esta dinâmica que mais me atrai na vida de educador. Não acredito que exista outro profissional que aprenda tanto quanto aquele que precisa ensinar.

Olho para trás, nesta noite também regada a café, e vejo o jovem deslumbrado que fui. Um sujeito que não apenas queria salvar o mundo, mas que tinha certeza de que iria fazê-lo. Era só uma questão de tempo. Afinal, a arma da mudança eu já detinha: a Educação. Como são bonitos os sonhos juvenis! Hoje, mais maduro, sei que não dá para salvar um mundo que insiste em não ser salvo, mas dá para contribuir um pouco a cada dia para essa salvação. Como? Disseminando conhecimento um a um.

Vê-se que ainda sou um sonhador. Entretanto, tive que customizar meus sonhos.

Caminhando e sonhando, fui guia de turismo, auxiliar de coordenação, professor de Língua Portuguesa e Italiana, professor de Redação e de Literatura, depois me tornei coordenador de turmas em tempo integral, coordenador de Artes e coordenador de viagens pedagógicas, quando, tantas vezes, por tantos lugares do Brasil e do mundo, conduzi alunos. Na verdade, perdi a conta das cidades, dos museus, dos monumentos e dos alunos nestes quase 30 anos de ofício. Era o que eu queria ser: um educador pelo mundo.

Quais referências me ajudaram nesta expedição?

Não saberia também contar. Tive professores, colegas e alunos que deixaram marcas eternas. Contudo, as minhas maiores influências foram e ainda são os livros. Há estes livros maravilhosos dos quais sempre recordarei.Afinal, sempre fui um leitor voraz. Prometi-me a mim mesmo, desde os 13 anos, que leria um livro por semana. Não me lembro se em alguma época rompi essa promessa. Sou um homem de livros que, de tanto ler, acabou escrevendo. Tenho 7 livros escritos e um blog que atualizo continuamente (www.maxfranco.com.br).

Há uma frase de Heráclito da qual me lembro quase todos os dias: “Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, porque, na segunda vez, não são as mesmas águas, nem é o mesmo homem.”

Por que citei agora esta frase emblemática?

Porque também acho que não é o mesmo rio depois do homem! O homem sempre modifica o rio. Ele sempre deixa algo de si nas águas que seguem.

A rigor, acredito que este é o papel fundamental do educador: deixar algum legado para aqueles que passam.

Nestes anos, não me faltaram rios, nem águas caudalosas.

Depois de anos na mesma instituição, quis um desafio maior: aceitei a função de professor de faculdade e de diretor de projetos de inovação num grupo de escolas do interior de São Paulo. Com certeza, foi a decisão mais ousada da minha vida (e a mais amedrontadora!). Mas, eu sentia que estava sufocando no torpor da minha zona de conforto. Sabia que precisava de uma atitude de mudança se não iria acabar morrendo em vida, mofando na tranquilidade de um cotidiano que não me apresentava nem novidades, nem emoções, nem mais aprendizados.

Foram anos de intensa aprendizagem. Disto, não posso reclamar. Na verdade, não dá para reclamar muito das escolhas que você mesmo faz. Não dava para se lamuriar ao pensar nos filhos, amigos e familiares distantes. Ou padecer em demasia pelas diferenças culturais e de trabalho. Eu sabia que era uma grande oportunidade de crescer profissionalmente e, é claro, de aprender mais ainda.

Hoje, me lembro das quedas e das vitórias deste período ciente das conquistas realizadas. Sei que deixei uma marca naqueles lugares e, especialmente, em muitas pessoas.  Porém, retorno para Fortaleza me defrontando com novas águas e, é claro, também modificado. Todo reencontro, afinal, é um novo encontro. O rio é outro, como o homem.

Espero, apenas, poder mais uma exercer o meu ofício de educador como o concebo: aprendendo para ensinar e ensinando para aprender.

Todavia, não há caminhantes sem caminho como não há rios sem águas.

Sou o que sempre fui: um educador. Não sou o melhor, nem o pior. Os predicados deste sujeito simples chamado Max Roger Franco Pompílio acolhem um repertório variado de adjetivos. Entretanto, sei dos meus valores e da minha vontade de fazer a diferença através meu trabalho.  Espero tão somente uma chance de poder construir esta nova estrada. Uma estrada que eu desejo profundamente que seja a mais bonita de todas que trilhei na minha vida. Uma estrada onde muitos possam caminhar juntos, aprendendo, ensinando e sendo felizes.

Afinal, como ressaltei, educadores são guias.

É o que espero sempre ser: um condutor para um lugar onde as pessoas possam ser melhores e mais felizes.