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Elogio à modéstia

04 de julho, 2017 - por Max Franco

Se eu fosse você, recém-contratado, qual história gostaria de ouvir?

Era o primeiro dia do trainee João Carlos Tavares na empresa dos seus sonhos. Na verdade, a OYP era a empresa dos sonhos de tanta gente que não daria nem para contar.
Foram 5 meses, 2 testes, 3 entrevistas, 1 dinâmica de grupo e muitas horas de preparação e ansiedade até o esperado “sim”. E lá estava ele, 26 anos, já empregado numa das mais respeitadas multinacionais sediadas no país. João, porém, sabia o que queria e o que queria era mais. Queria o mundo. Logo-logo, expatriar-se. Europa? Estados Unidos? Canadá? Não importaria. Sabia que, para crescer na empresa, deveria dar passos maiores. E foi assim, com os pés nos sapatos novos e com a cabeça nas nuvens que chegou ao seu primeiro dia de trabalho.
O dia decorreu como num sonho. Apresentaram aos novos contratados os setores da empresa e os respectivos heads. Almoço no imenso refeitório e, depois, conhecer seus pares no departamento. Enfim, no fim da tarde, o CEO da OYP, como de hábito, reuniu no auditório todos os funcionários da sede. Era o point da semana. Momento em que ele compartilhava as últimas conquistas e, também, apresentava os últimos contratados.
Neste dia, porém, decidiu quebrar o protocolo e abriu a para qualquer um dos recém-contratados para que quisesse se apresentar.
João Carlos sentiu o seu coração parar no peito. Era a chance que esperava para demonstrar os seus predicados. E não a perderia. João quase saltou se colocando de pé em um segundo. “Eu vou”, disse. E todos bateram palmas saudando a coragem do rapaz. Ele sentia os sorrisos da plateia fazendo a sua escolta no caminho até o palco.
– Boa tarde! Vocês não sabem o que significa para mim estar aqui hoje e fazer parte deste time vencedor. Na verdade, devem saber, o time é vencedor, afinal, por causa de vocês. Estou, também, aqui para ajudar a ganhar alguns jogos. Ganhar jogos, campeonatos, copas do mundo. Eu…
E João se empolgou. Falou por vários minutos. Elogiou o posicionamento da empresa no mercado. Elencou dificuldades e desafios. Elogiou o marketing e o RH. Citou até Sartre e Hemingway. João estava ciente de que estava surfando magistralmente a onda que lhe aparecera.
Quando terminou, as palmas foram ainda mais efusivas do que no início. No entanto, percebeu que nem todos lhe sorriram no caminho de volta. Alguns olhares, inclusive, pareciam lhe fuzilar. Seria apenas impressão?!
– João, depois dessa perfomance tão efusiva, eu que tenho que elogiar o RH da empresa por uma contratação tão talentosa. – disse o CEO visivelmente entusiasmado.
As palmas aumentaram. E com elas, mais sorrisos se apagaram.
Quando acabou a reunião, João já era uma espécie de celebridade. Muitos foram cumprimentá-lo para lhe desejar sucesso. Até selfies fizeram com o novo trainee. João estava no paraíso.
Até que um dos diretores mais antigo lhe pegou pelo o braço e o conduziu até o jardim.
– João, belo discurso! Brilhante! Mas, posso ser direto com você? – perguntou Antero, com um sorriso largo.
– Claro! – disse João esperando os elogios.
– Você não poderia ter começado de maneira pior!
– Como assim?! – inquiriu João, o estômago quase saindo pela boca. – Mas, eu pensei que…
– Este é o problema: você pensa! Você tem ideia do quanto isso incomoda? Vou lhe contar uma história. Quando o jovem Wiston Churchill assumiu a sua cadeira na Câmara dos Comuns, na Inglaterra, ele fez um brilhante discurso de estreia. Foi simplesmente arrasador. No entanto, quando ele acabou, um parlamentar velho e experiente (assim como eu!) lhe disse o mesmo que hoje estou lhe dizendo. Ele falou: “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste primeiro discurso. Isto é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. Nunca se esqueça, o talento assusta!”
– Você acha que isso pode me prejudicar?
– Já prejudicou, garoto! Você demonstrou o seu arsenal para o inimigo. Agora, todos vão querer lhe superar. Entende? Você acha que as pessoas não competem? Você acha que os demais não querem exatamente o que você quer? Crescimento na empresa, promoção, expatriação? Este é o problema. Não é verdade que os embates são causados por objetivos diferentes. É o contrário! Os carros colidem porque querem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. As pessoas querem o mesmo que você. E já sabem que você é um adversário formidável!
– Ai, meu deus, o que eu faço?
– Ruy Barbosa dizia: “Há tantos burros mandando em homens de inteligência que dá para pensar que burrice é uma ciência!”
– Eu devo me fazer de burro?
– No mínimo, não ficar ostentando que não é! Humildade, rapaz. Humildade! Em italiano se diz: pian piano si va lontano. Devagar se vai longe. E eu digo, em silêncio se vai longe! Há horas de falar. Todas as outras de emudecer! “Ora e trabalha”, dizia São Bento. Em outras palavras, trabalhe, trabalhe muito, mostre através de trabalho, deixe seus feitos falarem por você.
– Prometo que vou aprender, Antero! Muito obrigado pelo feedback.

Os anos passaram e, a duras penas, João aprendeu a lição.
É lógico que demorou muito para que na OYP  puxarem o seu tapete.
Mas, na outra empresa, ele fez carreira. Morou na Europa e se tornou diretor.
Afinal, ele tinha aprendido a lição da modéstia e do silêncio, ingredientes indispensáveis para qualquer sujeito inteligente que deseje crescer profissionalmente.