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Amigável

14 de abril, 2016 - por Max Franco

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Quando nascemos, não conhecemos nada. Somos perfeitos desconhecidos apresentados a um mundo que também ignoramos. A partir daí, tudo vira conhecimento. Conhecemos os nossos pais. Descobrimos os sabores. Aprendemos palavras e que as coisas possuem palavras para designá-las. E continuamos aprendendo dia após dia.

Há dias de conhecimento pequeno. Outros, de grandes surpresas.
Nesses dias, me perdi em Campinas. Não conhecia aquele caminho. Até que decidi continuar naquela reta na busca de reconhecer os lugares. Deu certo. Consegui alcançar um local que conhecia.
Este é um fenômeno cotidiano. Quando vemos uma bola, não precisamos de grandes malabarismos mentais para chamar a bola de bola. Afinal, conhecemos bolas. É simples olhar para uma bola e reconhecê-la como bola.
Mas a vida não é simples, é?
É nada!
Vida é coisa das mais difíceis e complicadas. Simples é a morte. Você morre e caput. Não há mais decisões a tomar. Ninguém espera nada de você. Somem as expectativas, as decepções, as frustrações e os improvisos. Dentro de um caixão, as coisas ganham simplicidade.
Por isso, nem sempre é fácil se reconhecer tudo. Há sempre tanta coisa que ignoramos. Como reconheceríamos o que não sabemos?
Amigos, por exemplo, como reconhecê-los?!
Há sempre o grande jurado de tudo, o Tempo. Senhor de tudo o que sucede abaixo e acima do sol. Juiz das coisas e das vicissitudes. Árbitro das prerrogativas e das sucessões. Nada escapa do seu jugo e da sua balança, e, principalmente, tudo só vigora com o seu aval. Porque a vida é como livro da Agatha Christie, antes do fim você descobre quem é o vilão. É a vida. Ela é boa em desvendar e desmascarar a todos. A labuta do dia, dia a dia, mais dia, menos dia, revela quem é quem.
Assim são os amores e as amizades.
Há amores para sempre e eternos.
Há também amores etéreos, que duram cumprimentos. Duram boa noite, bom dia, como vai?
Mas, amizades ou são duradouras ou não são. Amigos perduram. Colegas passam. Amizade não é gripe que se acometa e se cura com dois dias e um resfenol. Amigos se instalam e tomam posse. Ganham terreno na alma alheia. Porque de alheia se torna própria. Amigos compartilham almas.
Eu tenho amigos. Por sorte, são tantos.
Tenho o privilégio – enorme – de reconhecê-los como são. Cheios de méritos. Repletos de defeitos. Mas, mesmo assim e por causa disso, são amigos.
Gosto de reconhecê-los com seus nomes e com a alcunha de amigos. Gosto que me saibam irregovalmente como sou. Sem tirar nem por. E ainda assim me chamem pelo meu nome e com a alcunha de amigo. Odeio fazer gênero, eles bem sabem. E, nesta idade, a maquiagem não me cai tão bem. Então me aceito ser absolutamente como sou. Apenas e tudo isso. E é um enorme privilégio que me chamem – apesar de tudo e por causa de tudo – de amigo.