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Storytelling como ferramenta de promoção do turismo

30 de maio, 2018 - por Max Franco

 

  1.                        Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos.

(JOSEPH CAMPBELL)

 

O fato é que, atualmente, está cada vez mais difícil chamar a atenção das pessoas e encantá-las com algo inovador ou surpreendente. Existem reclames, demandas, anúncios e produtos demais no mercado e em meio a essa avalanche de chamadas fica difícil se destacar. O que sobra na praça é o mais do mesmo. Coisa que não chama a atenção de ninguém.

As mídias tradicionais, as estratégias estabelecidas e os velhos discursos de vendas estão enxovalhados e puídos de tão usados. Nesse contexto, só há um jeito: ser muito criativo. E é, nessa hora, que o profissional diferenciado vem à tona e se torna mais do que útil para a empresa, torna-se, na verdade, um bem imaterial. As histórias são ferramentas fundamentais porque geram emoção, identificação e envolvimento, elementos que prendem mais do que qualquer outro a atenção dos expectadores. É neste momento de exiguidade de opções que as técnicas do storytelling aparecem como possíveis redentoras das lacunas de criatividade.

A aplicabilidade moderna do storytelling é uma pulsão natural justamente porque é um recurso utilizado desde os tenros anos do ser humano, afinal, a humanidade tem uma memória genética destes comportamentos e uma tendência natural a apreciar narrativas.

Afinal, este apreço é uma inclinação, decerto, presente no nosso inconsciente coletivo, como bem define Jung, é um arquétipo, uma marca, uma imagem ancestral. Para Jung, arquétipo é o termo usado para se referir às estruturas humanas mais primitivas e inatas, as quais servem de base para a manifestação e desenvolvimento da psique. Arquétipo é uma espécie de imagem anterior tão intrinsecamente presente no inconsciente coletivo do ser humano que se projeta nos diversos aspectos da vida. Como ocorre nos sonhos e nas narrativas. Apreciar histórias é dos aspectos mais comuns, antigos e profundos da alma humana. Todo homem, a priori, gosta de contar e de ouvir boas histórias.

Jung afirma que essas “imagens primordiais” se originam de uma interminável repetição, através de muitas gerações, de uma mesma experiência. Os arquétipos, então, são tendências estruturantes e invisíveis encontradas nos símbolos e, por serem anteriores e mais abrangentes do que a consciência ou a racionalidade, eles criam imagens ou visões que, de certa forma, tentam compensar ou equilibrar alguns aspectos da atitude consciente do sujeito. Estas “compensações” acabam vindo à tona nos sonhos e, também, nos mitos produzidos em todas as latitudes pela humanidade. Os arquétipos, portanto, atuam quase de forma autônoma e tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências, quase que intuitivamente. Como, por exemplo, essa propensão coletiva e universal pela narrativa.

A proposta, portanto, é analisar diversas aplicações modernas desta antiga e eficiente estratégia de atração, convencimento e entretenimento que é a narrativa de histórias. A nossa análise vai se deter em alguns campos específicos e terá a intenção de demonstrar o alcance e a profundidade, também como méritos e deméritos, que o storytelling pode exercer em alguns campos da atualidade.

Joseph Campbell, célebre estudioso dos mitos, Para Campbell, nós amamos os heróis e, por conseguinte, amamos sempre acompanhar a mesma história. Isto é, a mesma estrutura de história. A tese do autor é de que todos os mitos seguem, em algum nível, o mesmo padrão. As histórias, por exemplo, de Prometeu, Perseu, Moisés, Buda e Jesus. Todas obedecem, praticamente, ao mesmo paradigma. O jornalista Bill Moyers define bem esta “sequência típica” na sua entrevista a Campbell em 1986.

 

 

 

“MOYERS: Através da leitura de seus livros – The Masks of God e The Hero with a Thousand Faces – vim a compreender que aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos.”

 

Para Campbell, A jornada do herói, ou Monomito, está presente nas grandes histórias contadas e recontadas milhares de vezes pela humanidade e em todas as latitudes do planeta. Os homens amam sempre seus ídolos, deuses e heróis e, por conseguinte, amam sempre acompanhar a mesma narrativa. Isto é, a mesma estrutura de história. A tese do autor é de que todos os mitos seguem, em algum nível, o mesmo padrão:

  1. O mundo normal – É o mundo comum. Tudo que existia antes do problema se apresentar.
  2. O chamado – Um desafio ou problema se apresenta ao herói. É o convite para a aventura.
  3. A hesitação do herói ou recusa do chamado– O protagonista demora ou mesmo se recusa a aceitar o convite ou aventura. Quase sempre porque tem medo ou não se acha à altura do desafio.
  4. Encontro com o mentor– O herói encontra um mentor ( um sábio, pajé, mago, xamã, monge) que o faz aceitar o chamado e, geralmente, o treina para sua jornada.
  5. A travessia do primeiro portal – O herói abandona a zona de conforto ou o mundo comum para adentrar no mundo especial ou mágico.
  6. Provações, aliados e inimigos– O herói é testado. Ele supera provas , encontra aliados e enfrenta inimigos. Ele está aprendendo a se mover neste novo mundo.
  7. A aproximação– O herói tem sucessos e se começa a se aproximar das suas metas.
  8. A grande provação – A maior crise da aventura. Um teste de vida ou morte.
  9. A recompensa– O herói enfrentou a morte, ultrapassa o seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).
  10. O caminho do retorno – O herói costuma voltar para o mundo comum.
  11. A ressurreição ou depuração do Herói – Outro teste onde o herói enfrenta a morte e deve usar tudo que aprendeu.
  12. O regresso com o Elixir– O herói volta para casa com o “elixir” e o usa para ajudar todos no mundo comum. É o legado do herói. A herança que ele deixa para a coletividade.

 

http://www.caldinas.com.br/2011/05/curso-referencias-sobre-campbell-e.html

 

 

Mas como, se a estrutura é semelhante, é possível ser criativo?

Primeiro, tempos que entender o que, de fato, pode ser chamado de criatividade.            O professor Felipe Chibás Ortiz define bem o que é Criatividade e Inovação no seu artigo.

 

(…) Todavia, nenhuma dessas tendências é a mais adequada, visto que os dois fenômenos – criatividade e inovação – coexistem e convivem dentro das organizações e devem, assim, ser mobilizados em conjunto. Afinal, a inovação tem como causa a criatividade (Chibás, 2012). Quando a dicotomia entre a criatividade e a inovação persiste, o resultado inovador é perseguido, mas sem estimular de forma adequada sua causa – a criatividade. Sendo assim, ambos os processos: gestão da criatividade, associado ao processo de criar a ideia, e da inovação, associado ao processo prático de implementar uma ideia e gerar resultado, devem andar em paralelo e total integração (Chibás, Pantaleón & Rocha, 2013). Mais ainda, a criatividade organizacional, muito associada a complexos fenômenos de comunicação individuais e grupais, conscientes e subconscientes, não pode ser mensurada. O que acarreta em dificuldades no seu estudo, quantificação e gestão. Sendo assim, geralmente se prefere estudar sua consequência e manifestação concreta: a inovação. (CHIBÁS)

 

A questão é simples, mas desafiante: é preciso ser criativo na hora de manusear e resignificar a estrutura da Jornada do herói e aplicá-la adequadamente independente do ambiente onde esteja atuando. O Monomito, como será possível observar, pode (e deve) ser utilizado nos mais diversos campos do mundo moderno. Como explica Joseph L.Henderson em O homem e seus símbolos:

 

O mito do herói é o mais comum e o mais conhecido em todo o mundo. É encontrado na mitologia clássica na Grécia e de Roma, na idade média, no extremo oriente e entre tribos primitivas contemporâneas. Aparece também em nossos sonhos. Tem um flagrante poder de sedução dramática e, apesar de menos aparente, uma importância psicológica profunda. São mitos que variam muitos nos detalhes, mas quanto mais os examinamos mais percebemos quanto se assemelham estruturalmente. Isso quer dizer que guardam uma forma universal mesmo quando desenvolvidos por grupos ou indivíduos sem qualquer contato cultural entre si – como, por exemplo, as tribos africanas e os índios norte-americanos, os gregos e os incas do Peru. Ouvimos a mesma história do herói de nascimento humilde, mas milagroso, provas de sua força sobre-humana precoce, sua ascensão rápida ao poder e á notoriedade, sua luta triunfante contra as forças do mal, sua falibilidade ante a tentação do orgulho e seu declínio, por motivo de traição ou por um ato de sacrifício “heroico”, no qual sempre morre. (HENDERSON)

 

 

O maior elemento motivador de uma viagem de turismo é sempre a história.

Ninguém nasce querendo viajar. O ser humano tem necessidade de ócio e de descanso, como demonstra a pirâmide de Maslow, mas não especificamente de turismo. Na verdade, durante dezenas de milhares de anos, o homo sapiens foi coletor-caçador e, por isso, nômade. Só, mais ou menos, há 13 a 15 mil anos que a raça humana se tornou gregária. Mas, decerto, essa pulsão por se mover, por buscar novas terras, cultivar curiosidade sobre o que há depois da montanha, depois do lago, depois do mar, depois da lua, tudo isso ainda resiste na psique humana. Basta as coisas apertarem, o tédio imperar sobre os dias, a rotina roer a graça do cotidiano para que muitos façam qualquer sacrifício para pegar a estrada, o avião, o trem e a mala.

 

 

São muitas histórias que provocam a prática turística. A primeira é exatamente esta: o movimento está gravado no DNA humano. Quando viajamos, estamos respondendo a um apelo ancestral que sussurra nos nossos ouvidos “Vai, parte!”  e nos impele a pôr o pé na estrada.

Mas há outras histórias. Histórias que nos contam desde pequenos. O mundo da ficção tem grande influência sobre o nosso apreço pelo turismo. Quem nos fez amar Paris muito antes de conhecer Paris? Quem nos fez amar Londres, Roma, Nova Iorque? O cinema, os livros, as séries, em outras palavras, o mundo da ficção.

Quando um sujeito viaja para estes lugares idílicos, ele está atendendo a um pedido do seu departamento de sonhos que, talvez, ele nem sequer tenha consciência de onde ou quando nasceu. Ele nasceu por causa das narrativas que, durante toda a sua vida, ele acompanhou. Isto ocorre porque os locais turísticos são glamourizados por mil histórias e personagens, atores e atrizes célebres, escritores e diretores famosos. É o efeito que o storytelling exerce sobre o turismo.

O cinema e a Literatura são pródigos em produzir fenômenos turísticos. Basta ver o que ocorre com alguns filmes de Woody Allen , que costuma localizar seus filmes em diversas cidades, como fez em Londres (Match Point), Espanha (Vicky Cristina Barcelona), França (Meia Noite em Paris), Itália (Para Roma com amor) e, é claro, Nova Iorque. Todas estas narrativas, obviamente, serviram para posicionar estes lugares na parte de cima das prateleiras da maioria dos sonhos de viagem de muita gente.

Por quê? A resposta é simples: é uma projeção.

Quando vou ao exato local onde supostamente “esteve” o meu personagem predileto é como se eu estivesse vivendo aquele mesmo drama, suspense ou romance.

Ninguém quer uma vida vazia de sentido e árida de experiências. Só que a amarga verdade é que a vida da grande maioria dos cidadãos do mundo não viraria nenhum filme ou livro. A gente até gosta de dizer “A minha vida daria um filme”. Mas, isso é pretensão ou mentira.  Se a vida dessa gente, por acaso, virasse algum filme, não teria espectadores. Só poltronas vazias as testemunhariam. Por isso, precisamos de histórias fantasiosas. Para que a vida tenha algum tempero.

Este é mais um dos momentos nos quais histórias e viagens estão entrelaçados.

Entretanto, não para por aí. Ainda existem outros.

Há, ainda, outras histórias ficcionais ou pseudo-reais, ou baseadas em fatos reais, como quiser chamar. Há as famosas histórias da viagem do vizinho.

Pode também ser do cunhado, do colega de trabalho, ou do cidadão que você nem conhece mas publicou no blog, gravou vídeo e jogou na rede social. A grama do vizinho é mais verde sim, e pior, o quintal dele cabe a Torre Eiffel e o rio Sena, Montmartre e a place du Tartre, o Louvre e o D’Orsay, os  jardins de Louxembourg e o Des Invalides. E isto mata qualquer um de inveja.

Estou seguro: tire a inveja do coração humano e um dos primeiros resultados será o fim do turismo. Ao menos do turismo em massa. Porque não nos é aceitável que apenas o outro tenha acesso àquela experiência. Ele foi para Praga? Em Praga estarei. E não só em Praga, mas também na Hungria e na Eslovênia. Porque “Você já foi em Budapeste? Não?! Como assim? Budapeste é a cidade mais bonita da Europa! A mais sofisticada, requintada…”

Não podemos desprezar, é claro, as histórias reais. Aquelas encontradas nos livros de história. Estas histórias também nos impulsionam a viajar. Um sujeito aficionado por histórias da segunda guerra, certamente, gostará de conhecer as praias da Normandia, onde ocorreram o desembarque dos aliados no fatídico dia D, o 6 de junho de 1943. Eu que sempre gostei dos textos de Oscar Wilde tive que visitar o seu túmulo no cemitério de Père Lachaise, em Paris. Onde também estão Jim Morrisson, Alan Kardec e Chopin. Da mesma forma que fiz questão de conhecer o Louvre, Notre Dame e e café Flore, situado na esquina do bulevar Saint-Germain com a rua Saint-Benoît, no bairro de Saint-Germain-des-Prés, famoso por ser frequentado por Sartre.

A relevância de contar histórias como instrumento de marketing se relaciona  com a  influência que as histórias têm na experiência do consumidor e como este as enxerga mediante impressões e emoções. O turista que, além de visitar a cidade e os lugares de interesse patrimonial, vivencia as histórias do lugar, ressignifica o relacionamento com a cidade. O viajante, imbuído destes relatos, acaba transportando as histórias fictícias e reais, além das próprias vividas neste logradouro, para diversas plataformas (transmídia), permitindo um maior envolvimento emocional e, consequentemente, divulgando o destino com acréscimo de valor. É o boca a boca impulsionado pelas internet. O turista se torna um instrumento de propaganda ao partilhar imagens, comentários e histórias pessoais nas redes sociais.

 

 

Na verdade, preciso confessar: quero falar é de mim. Afinal, desde que me entendo por gente, sou um consumidor de histórias e de viagens. Sou um viajante-storyteller do mesmo jeito que meu ancestral foi um caçador-coletor. Talvez, porque esse dia a dia institucionalizado, burocrático, comedido e medido sempre me entediou sobremaneira. Por isso, sempre busquei a evasão e a mochila, as histórias e as estradas. Se possível, todas ao mesmo tempo.

 

 

  1. Viagem pedagógica e storytelling

 

Falar de storytelling e viagem pedagógica é uma empreitada que daria panos para as mangas. Merece um livro só sobre esse assunto. Coisa que, um dia, ainda devo fazer.

São dessas peculiaridades que gostaria de tratar neste famoso livro que ainda virá. São viagens que causam viagens, porque o filho de uma boa história de viagem será sempre outra viagem. E daí por diante.

O fato é que – a rigor – toda viagem é pedagógica. Não há como não se aprender alguma coisa, a mínima que seja, em uma viagem. Viagens sempre trazem aprendizado. Mas, logicamente, quanto mais longa, quanto mais distante e exótico for o destino, quanto mais curioso for o viajante, mais conhecimentos trará esta jornada.

Entretanto, há como se fazer uma viagem com uma proposta realmente pedagógica. E este papel é da Escola.

Mas, como adequar a prática turística à escola?

Ou melhor: como unir a escola ao turismo?

Parece difícil. Mas é mais do que parece.

Antes de tudo, quando falo de escola, estou falando de qualquer instituição de ensino. O turismo pedagógico pode ser muito bem empregado no ensino superior. São inúmeras as faculdades que promovem missões para diversas partes do mundo. A Inova Business School, por exemplo, tem um excelente programa batizado de Inova experience, que leva seus alunos para uma semana de imersão na Itália, conhecendo a Ferrari e se aprofundando na história, arte, cultura e gastronomia deste país extraordinário. Eu tenho o privilégio de conduzir este grupo.

Mas, qual é a grande dificuldade de se levar alunos para viajar?

O fato é que todo deslocamento sempre atrai riscos, principalmente, quando tratamos de crianças e adolescentes. Neste caso, a escola tem que assumir toda a guarda dos alunos menores e se responsabilizar por tudo que lhes possa acontecer. É muita responsabilidade e coragem maior ainda.

No entanto, há diversas escolas que têm projetos extraordinários no campo do turismo pedagógico e que são referência para todo o país. O que é necessário para que a sua também seja? Aqui deixo algumas dicas que podem lhe ser úteis caso você deseje – literalmente – topar e chamado e sair da zona de conforto da velha rotina estática e comodista da escola. Veja só:

– Se nem a OMT (Organização Mundial de Turismo) consegue definir o que é turismo com total propriedade, imagina a dificuldade para encontrar nomenclatura adequada para todas as atividades de uma escola que ocorram fora dos seus limites geográficos. Não      obstante, é necessário. Como já citei por aqui, as palavras têm força. Não adianta a escola se preparar, perder horas em planejamento e analisando as propostas das agências para depois ter que ouvir uma mãe perguntando “Quando é o passeio?”. Escola não faz passeio. Escola organiza e realiza estudos do meio, quando é uma viagem com a duração de um dia (City tour, visita a museu, laboratório, indústria, observatório, zoo…) ou viagens pedagógicas, quando há pernoite. Lembrando que estas iniciativas fazem parte de um projeto sistematizado e estratégico da escola de turismo educacional.

 

  1. Tudo parte de um bom planejamento – É o conteúdo de cada ano que define o roteiro e o destino. Os educadores devem se reunir, preferivelmente, antes do fim do ano letivo e analisar o programa de cada grupo. O 6º ano, por exemplo, com poucas alterações, tem o costume de estudar rochas e fósseis. A primeira pergunta que a equipe de professores deve fazer é “onde temos na região um lugar no qual podemos explorar este conteúdo programático?”.

 

  1. O roteiro da viagem – Definido o destino, o grupo de educadores deve elaborar um roteiro que traga o máximo possível de experiências e informações relevantes para aquela faixa etária. É preciso ter cuidado para equilibrar bem as atividades. Não podemos preencher em demasia o dia dos alunos, tampouco é aconselhável se deixar muito tempo ocioso. A ociosidade raramente sugere coisa boa aos ouvidos, principalmente de crianças e adolescentes.

 

  1. O orçamento da viagem – Conselho de amigo: não caia na tentação de “fazer com as próprias mãos”! Eu já perdi a conta das vezes nas quais vi escolas entrarem em roubadas porque escolheram economizar alguns tostões e realizar a sua viagem pedagógica sem o auxílio de uma agência especializada. O ideal é que, após ter definido o destino e o roteiro, a escola envie para as empresas de turismo nas quais confia. Depois, é só realizar uma concorrência simples. Sugiro sempre se lembrar de que nem sempre o barato sai mais barato. Tentar economizar, por exemplo, com a qualidade de transporte, comida e alojamento é sempre andar numa corda bamba de olhos vendados e sem rede de proteção.

 

  1. A viagem – A experiência me ensinou que há professores maravilhosos em sala que não funcionam bem em ambiente externo, mas que há, também, o contrário. É uma questão de habitat ou de posição no campo. Laterais costumam jogar bem pelos lados do campo. Talvez não devamos colocá-los no ataque ou no gol. Nem todo mundo tem essa polivalência. Nem todo professor tem condições físicas e psicológicas para lidar com as exigências de uma viagem pedagógica. A escola deve escolher os seus líderes de expedições com crivo e prepará-los cuidadosamente para que possam viajar.

 

  1. Professor não é guia nem babá – O professor não está ali apenas para cuidar dos alunos, mas também está.  Não dá para bancar a autoridade e dizer “Vim para essa viagem como geógrafo!”. Isso não funciona assim. O geógrafo, de fato, foi para a viagem, mas não o strictu senso, pois na hora em que um aluno estiver doente ou quando diversos decidirem fazer bagunça nos quartos (às duas da manhã), a geografia não será muito requisitada. Se ajoelhou, meu caro, já sabe… Outra questão relevante é quanto ao papel deste professor nas visitas. É função do guia apresentar as informações do lugar ou monumento. A do professor é a de fazer os linkscom a sala de aula, puxar uma reflexão, organizar a participação dos alunos, estimular a criatividade, fazer alusões ao conteúdo, e, principalmente, com o storytelling, reforçar o elemento emocional traçando uma linha relacional entre o visitante e o visitado. Já vi muitas vezes o professor querer substituir o guia de turismo. Além de não ser muito elegante, não é adequado. O professor não pode se esquecer de que ele é mentor e não o google. Os alunos têm o google na mão. Eles não precisam de outro. Eles necessitam de alguém que demonstre o sentido de se estar ali vendo o que estão vendo e não outra coisa. O que importa é a experiência com o lugar e não toda a informação que ele conseguirá tirar dali. Eu já contemplei muita gente que se diz educador que, numa viagem pedagógica ou estudo do meio, as quais são práticas essencialmente modernas de Educação, agindo da mesma forma que sempre fez em sala de aula. É a mesma atitude tradicional e expositiva, só que, em vez do powerpoint ou do livro didático, ele tem o lugar turístico, ou a obra de arte, ou o monumento. É um grande desperdício de oportunidade. É o “quase lá”, porque poderia ter feito da forma ideal e não fez. Poderia ter ousado sair da rotina engessada e não saiu. É o ranço conservador e centralizador da escola que segue os alunos aonde quer que vão.

 

  1. O turismo pedagógico fideliza e atrai alunos – As escolas que conseguem transformar as suas viagens em um projeto sério e estratégico também alcançam êxito em atrair novos alunos e fidelizar os seus. Afinal, quem não quer fazer aquela viagem de estudos para Curitiba ou para Fernando de Noronha? Quem não quer aprender sobre arte no MASP ou no próprio Louvre? Quem não quer conhecer o ecossistema da Ilha do Cardoso ou do Pantanal? Qual aluno não iria querer entrar numa escola que faz tais programas? Qual aluno iria sair antes daquela grande viagem? Mas aí você deve estar se perguntando “Não é muito caro?” Infelizmente, dependendo da distância do destino, da duração da expedição, dos serviços, ingressos e opcionais inseridos, sim, pode ficar muito caro. Cabe aos gestores da escola planejar levando em conta estes variáveis e propor ideias realizáveis. Os pés precisam estar no chão, nessa hora. Mas, é sempre bom que as cabeças possam subir um pouco para as nuvens. Já vi escolas realizando projetos e alcançando destinos que, a princípio, pareciam intangíveis. Ousar é necessário, mas sem perder o tino.

 

  1. Viagens e festas de formatura – aproveito o ensejo para dar uma opinião das mais pessoais. Sei que – neste caso específico – corro bastante o risco de parecer purista ou antipático, mas não posso fugir de emitir o meu parecer sobre estes dois eventos que vejo, a cada dia que passa, se tornarem tão populares entre determinados públicos escolares. Já vi algumas incoerências realizadas por algumas escolas que não dá para entender. A escola não propõe viagens pedagógicas, mas sugere uma viagem de formatura sem qualquer formação, como assim? Ela não corre muito mais riscos numa viagem de formatura do que numa viagem educativa? Quanto custa essa viagem de formatura? Para que ela serve? Quais são os objetivos desta viagem e desta escola? O mesmo eu perguntaria sobre as festas de formatura. Muito dinheiro que poderia ter sido empregado no crescimento dos alunos e não em um evento de natureza e gosto discutível (para não dizer brega!). Nem todos sabem, mas o turismo nasceu pedagógico. No século XVIII, os filhos abastados das famílias aristocráticas inglesas, quando concluíam os seus estudos, partiam por meses com os seus preceptores para um Gran Tour, principalmente pela França e Itália, com o intuito de aprofundar os seus conhecimentos e abrir os seus horizontes. Não entendo como as escolas do século XXI conseguem ser mais retrógradas do que as do XVIII. Não tenho absolutamente nada contra festas, mas é um contrasenso. Educação de vem do latim duc,que significa levar ou conduzir. Mas, pelo que entendi, a ideia original não era levar para festas.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hemingway dizia que “Todos os bons livros se parecem. São mais reais do que tivessem acontecido de verdade.”

O velho Ernest tinha razão por um mero motivo: o que faz uma história ser verdadeira não ter sido realidade, mas pelas verdades que conseguimos extrair das suas linhas. Estas verdades são atemporais e universais porque são humanas, e o homem, apesar de todas as suas diferenças e vicissitudes, é sempre o homem.

Todos – absolutamente todos – os homens estão em busca de algo, ou de muitos “algos”. Os homens buscam, antes de tudo, completude para o seu imenso e inexorável vazio existencial. É o que Sartre chama de “angústia”, e o que nos move todas as manhãs é esse ininterrupto, contínuo e insistente desejo, essa pulsão, essa vontade de preencher a lacuna no espírito com a qual nascemos. É a dor de existir que nos empurra para a jornada. É essa enorme insatisfação que nos atira na estrada e diz “Run, Forrester, run!”

Por causa dela, passamos a vida à cata de coisas e vivências. É a falta que nos empurra. O nada mais influente que existe. Um nada com fome de emoções, fatos, relações, conquistas e vivências. Isso nos transforma ainda, milhares de anos depois, em

caçadores. É a velha história: o homem contra a fera. Nem que essa fera seja outro homem, a natureza ao nosso redor ou o espaço sideral. Não há fronteiras para o ser humano, porque não há limites para a imaginação humana. Nem para as buscas do homem.

Buscas, expedições, jornadas… Os homens sempre estiveram em trânsito. Não existiríamos caso houvéssemos negado esses chamados para a aventura. Teríamos sucumbido ao jugo das intempéries e dos bichos. Sobreviver era subjugar a selva. Com o tempo, escapamos da selva, mas a selva não saiu de nós. Ela ainda está lá e nos espia nos momentos críticos e sombrios.

O que nos irmana é essa luta ancestral, essa narrativa repleta de façanhas e de heróis que as realizaram. Somos todos ávidos por esses relatos. Basta a coisa apertar e a vida endurecer para visitarmos aquele caçador que outrora fomos. Voltamos à fogueira e o seu brilho nos sussurrará as mais belas e envolventes narrativas. Somos storydependentes.

Somos. Fomos. Seremos.

Por isso, os contadores de histórias têm tanto poder. Porque eles conseguem como mais ninguém comunicar, informar e educar, mas, também – infelizmente – doutrinar, manipular, explorar e dominar aqueles que, tão devotadamente, os escutam.

Conhecemos os elementos que transformam os seres humanos em contadores e consumidores de histórias. Também conhecemos os efeitos dessa audiência tão fiel. Há o de melhor e o de pior. Exatamente como são as pessoas.

Neste ensaio, citei alguns “ambientes” onde a ação do storytelling é profunda e eficaz. Setores da sociedade onde o poder dessa modalidade de criatividade têm tentáculos de grande alcance. Na verdade, o story tem tal presença no mundo moderno que fica até difícil se descobrir onde ele não atua.

Bertold Brecht disse certa vez: “Infeliz do povo que precisa de heróis!”

            È uma afirmativa muito dura, mas muito real. Porque o tempo todo estão erigindo deuses, ídolos e heróis, mas para quê? Para nos inspirar coragem, servir como modelos éticos e nos mostrar o bom caminho? Ou apenas para vender shampoo, pagar dízimos e ganhar votos? O problema não é ter heróis, mas quais.

Acredito que há sempre formas e formas de se realizar algo. Vimos aqui quanto positivo pode ser o uso das técnicas do storytelling para criar espaços de difusão da própria cultura. As narrativas civilizam quando bem urdidas e empregadas. No entanto, foi em virtude de uma crença exacerbada numa histeria que os nazistas promoveram o holocausto.

Como já disse, palavras erguem catedrais e campos concentração.

Que sejam, portanto, as melhores palavras.

 

 

 

 

 

 

O autor:

 

Max Roger Franco Pompílio assina Max Franco afirmando “que é mais do que um sobrenome, é um adjetivo”.

Max Franco é técnico em Turismo, guia internacional, formado em Letras, especialista em Inovação em Educação e mestrando em Gestão de negócios turísticos. É professor porque gosta de sê-lo e porque não saberia fazer outra coisa. Ensina literatura, língua portuguesa e redação desde os 20 anos. Hoje também ministra workshops, treinamentos e palestras de storytelling e metodologias ativas.

É coordenador das Pós-graduações da FBUNI, em Fortaleza, e coordenador nacional do curso de Especialização em Metodologias ativas do IBFE.

É um apaixonado pelo que há de melhor na vida: pessoas amadas, belas viagens, boa mesa, futebol, livros e músicas fascinantes e – como costuma dizer – “Se der para reunir tudo isso, podemos chamar a ocasião de felicidade!”

Max Franco escreve compulsivamente desde 2007e tem seis livros publicados:

– Na corda bamba, romance, 2007;

– O confessor, romance, 2008;

– No fio da navalha, romance, 2009;

– Palavras aladas, 2011 (Prêmio Milton Dias de melhor livro de crônicas de 2010 – Secult CE);

– Prêmio Eduardo Campos, 1o lugar. Prêmio Estadual Ideal Clube de Literatura, com o conto “Marca de toda gente é bondade”, em 2011;

– Palavras amargas, (Prêmio Oliveira Paiva de melhor livro de contos- SME Fortaleza);

– Storytelling e suas aplicações no mundo dos negócios, Editora Atlas, 2015.

 

www.maxfranco.com.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– BARONI, AGUIAR E RODRIGUES. Novas configurações discursivas no jornalismo: narrativas digitais nas favelas do Rio de Janeiro. Queensland University of Technology, Australia & Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brazil & Universidade Estadual de Campinas, Brasil. 2011.

– CAMPBELL, Joseph. The Power of Mith with Bill Moyers. Nova York: Doubleday, 1988.

– CHIBÁS, Felipe. Conflitos e Barreiras culturais à comunicação: uma pesquisa empírica em ecossistemas multiculturais, In: ORGANICOM- Revista Brasileira de comunicação organizacional e relações públicas. ECA-USP, ISSN: 2238-2593, No. 20. 2014.

– CASTRO, Alfredo. Storytelling para resultados. Qualitymark editora, 2013.

– FRANCO, Max. Storytelling e suas aplicações no mundo dos negócios. ATLAS. 2015.

– GARGIULO, Terrence L. O uso de histórias no ambiente de trabalho. IBPEX, 2011.

– JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Nova Fronteira, 2008.

– KOCH, Stephen. Oficina de escritores. Martins Fontes, 2008.

– MCSILL, James. Lições de storytelling. DVS editora, 2013.

– RASQUILHA, Luís. Tendências e gestão da inovação. Verlag Dashofer, 2010.

– VOGLER, Cristopher. A jornada do escritor. Editora Aleph, 2015.

– XAVIER, Adilson. Storytelling, histórias que deixam marcas. Editora Best business, 2015.