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Humildes e desumildes

18 de maio, 2019 - por Max Franco

O nome dele era Levi e tinha 11 anos de peleja. Era de porte desfavorecido, um fiapo de gente. A roupa em frangalhos não deixava dúvidas: pacote completo do despossuído. Ele trazia em uma mão, uma gaiolinha de madeira, na outra, um passarinho cor-de-rosa. Esse, logo descobrimos, não era hobby ou ornamento, era passarinho ganha-pão. Levi o alugava momentaneamente aos turistas da praia de Trancoso, na Bahia, para as eventuais fotos-com-passarinho-no-ombro. O bichinho era mesmo simpático. Tanto que fizemos a foto e prometemos pagar depois, já que não tínhamos dinheiro na hora. Marcamos o lugar do pagamento da dívida, mas estranhamos a hora.

– 8 da noite? É só essa hora que você vai embora, garoto? – perguntei preocupado. – São 10 da manhã! Você vai passar o dia todo na praia? Por que tão tarde?

– Todo dia é assim, seu moço. – Ele respondeu com um sorriso acabrunhado. – É a hora do último ônibus para Porto Seguro.

O menino seguiu pela areia. Eu e minha namorada, Rebeca, nos dedicamos àquele dolce far niente sul mare durante o resto do dia.

A noite já estava noturna fazia um tempo quando ouvimos a campainha do nosso quarto. Era ele, o menino do passarinho rosa. Entretanto, em vez do sorriso aberto da manhã, ele, agora, ostentava uma expressão chorosa. Mais que chorosa, desesperada.

– O que houve, Levi? – perguntou-lhe, Rebeca.

– Um turista… – começou ele e resvalou num choro sentido.

Foi aí que nos demos conta de que ele estava sem a gaiola e sem o passarinho.

– Ele fez muitas fotos. Passou uma hora fazendo fotos com a mulher dele. Eu avisei que custava dez reais, mas não quis pagar. Não quis pagar nada. Ele era um desumilde. Foi o que eu disse para ele, “Você é um desumilde, seu moço!”. Ele riu, me deu um tapão na orelha e tomou a Penélope charmosa de mim. Ele tomou…

– Onde esse sujeito está, Levi?

– Ele já foi embora faz tempo, seu Max. Ele é um desumilde. Eu disse para ele que era um desumilde e ele riu de mim. Aí tive que ficar na praia pedindo dinheiro até agora. Não posso voltar sem nada. Se eu voltar, tem o namorado da minha mãe que bate em mim. – disse o menino tremendo de tanto chorar. As cicatrizes que povoavam a sua pele comprovavam o seu discurso.

– Você não reclamou? Não avisou a ninguém? – inquiriu a Rebeca.

– Falei com o polícia. Ele disse para eu ficar quieto se não ia me entregar pro obama. É obama, né?

Não consegui corrigi-lo, mas o convidei para comer algo conosco. Na verdade, eu e Rebeca nem fome tínhamos mais depois daquela narrativa. Mas, levamos o garoto para uma lanchonete da pequena vila de Trancoso.

Ele sorriu aquele um sorriso parente daquele da manhã. Juro que foi o sorriso mais triste que vi na vida.

Ao chegar na lanchonete, lhe entreguei um cardápio. Disse que podia escolher o que quisesse. O menino ficou olhando para o cardápio de cabeça para baixo, calado, desconcertado.

Rebeca consertou tudo mais uma vez. É hábito dela.

– Levi, você quer refrigerante e sanduichão de queijo e carne?

Ele balançou a cabeça concordando.

Antes de pegar seu ônibus, dei-lhe mais uma grana. Nada demasiado. Aquilo que tinha nos bolsos. Ele me agradeceu efusivamente e abraçou Rebeca antes de se encaminhar para o ônibus.

Foi-se sem olhar para trás. Cabeça baixa, pernas finas, mãos nos bolsos.

Foi-se para a sua vida humilhada, o menino despassarinhado.

E viva a meritocracia…